Glândulas e doenças Endócrinas

Carcinoma do Córtex da Glândula Suprarenal

Introdução

As glândulas suprarrenais estão localizadas junto aos pólos superiores dos rins e são constituídas pelo córtex (que segrega para o sangue as hormonas cortisol, aldosterona e hormonas sexuais) e pela medula (que produz as hormonas adrenalina e noradrenalina). Estas hormonas desempenham um papel fulcral na resposta adaptativa do organismo a um stress importante. 

 

Tumores da córtex da suprarrenal

Os tumores do córtex podem ser primários ou secundários. Os tumores primários podem ser benignos (adenomas) ou malignos (carcinomas). O diagnóstico diferencial entre adenoma e carcinoma não é fácil e baseia-se nos critérios histológicos de Weiss.

Os tumores secundários correspondem a metastização (disseminação) de tumores de outros orgãos como sejam os carcinomas do pulmão.

 

Em relação à função, os tumores do córtex da suprarrenal podem ser não funcionantes ou produzirem hormonas em excesso dependendo o quadro clínico do tipo de hormona produzida:

  • tumores produtores de aldosterona provocam hipertensão arterial habitualmente resistente ao tratamento médico;
  • tumores produtores de cortisol são responsáveis pela síndrome de Cushing (obesidade, face em lua-cheia, hipertensão arterial, diabetes mellitus, estrias abdominais);
  • tumores produtores de hormonas masculinas (androgénios) provocam hirsutismo (crescimento dos pêlos nas mulheres) e tumores produtores de hormonas femininas (estrogénios) provocam ginecomastia (aumento da glândula mamária) nos homens.

É um tipo de cancro raro e estima-se que a incidência anual seja de apenas 0,7-2/1.000.000 e que corresponde a 0,02% de todas as neoplasias. 

A distribuição por idades tem um pico nas 2 primeiras décadas e um pico na 5ª década.

 

Factores de risco

Existem algumas síndromes familiares que têm risco aumentado para este tipo de cancro como sejam as síndromes de Beckwith-Wiedemann, complexo de Carney, Li-Fraumeni, Lynch e neoplasia endócrina múltipla de tipo 1.

 

Estadiamento 

O estadiamento dos carcinomas do córtex suprarrenal tem em conta as dimensões do tumor, a presença ou ausência de gânglios afectados e a presença ou ausência de metástases a distância: 

T1 – tumor igual ou menor que 5 cm e confinado à glândula

T2 – maior que 5 cm , confinado à glândula

T3 – qualquer tamanho com extensão à gordura periglandular

T4 – qualquer tamanho, com invasão de órgãos vizinhos (rim, pâncreas, baço, fígado).

N0 – ausência de metastização ganglionar (ou seja disseminação do tumor para os gânglios)

N1 – metastização para os gânglios loco-regionais.

M0 – sem metastização a distância

M1 – metastização a distância

 

De acordo com a European Network for the Study of Adrenal Tumors (ENSAT) podemos ter 4 estádios:

Estádio I - T1N0M0

Estádio II - T2N0M0

Estádio III – T3/T4 N0M0 ou qualquer T, N1 M0

Estádio IV – Qualquer T, qualquer N, M1

 

Tratamento primário

A ressecção cirúrgica completa é o único tratamento potencialmente curativo e deve ser o tratamento inicial para os estádios I-III (ENSAT); muitas vezes tem de ser extensa e em bloco envolvendo rim, baço, pâncreas entre outros orgãos. A linfadenectomia sistemática (excisão de gânglios) é defendida pela disseminação linfática frequente. A laparotomia (e não a laparoscopia) é a via adequada em casos de elevada suspeição de carcinoma da suprarrenal.

 

Tratamento adjuvante 

Não obstante a maioria destes tumores serem ressecáveis por ocasião do diagnóstico, 75-85% têm recidiva após ressecção cirúrgica completa. Os doentes com maior risco de recorrência são os que apresentam tumores com maior actividade proliferativa, ruptura da cápsula e/ou invasão microscópica da cápsula ou angioinvasão. Os resultados do estudo de Terzolo M et al (1) justificam a terapêutica adjuvante com mitotano (M) pós cirurgia, nos estádios I-III sendo a indicação inequívoca no estádio IV.

Com base nos resultados do ensaio FIRM-ACT2 (First International Randomized trial

in locally advanced and Metastatic Adrenocortical Carcinoma Treatment) (2) a combinação etoposido, doxorrubicina, cisplatina e mitotano (EDP-M) deve ser considerada a 1ª linha de terapêutica nos doentes com doença avançada. Na ausência de resposta, a 2ª linha poderá ser Estreptozocina + Mitotano (Sz-M).

 

Mitotano

A associação do mitotano à quimioterapia aumenta a toxicidade particularmente gastrointestinal e neurológica.

É importante monitorização periodicamente os níveis séricos de mitotano para evitar níveis tóxicos (a concentração adequada deverá ser de 14-20 mg/l). 

É absolutamente necessária a terapêutica concomitante com glucocorticoides. 

A duração ideal da terapêutica com mitotano não é consensual sobretudo para os

doentes de baixo risco. As orientações internacionais sugerem 2 anos se não houver

progressão e a toxicidade for tolerável. Este período pode ser prolongado para doentes

de alto risco.

 

Esquemas de quimioterapia

Etoposido+doxorrubicina+cisplatina (EDP) + M

Ciclos de 28 dias

Estreptozotocina (Sz) + M

Ciclos de 21 em 21 dias.

 

Radioterapia

O papel da radioterapia não está claramente estabelecido após a cirurgia. Poderá ser usada como tratamento paliativo, por exemplo, em metástases ósseas sintomáticas ou nas  metástases cerebrais.

 

Prognóstico

O prognóstico depende do estádio sendo a sobrevivência aos 5 anos de 60–80% para os doentes com tumores confinados à glândula suprarrenal e de 0% to 28% para os doentes com metástases à distância. 

 

Referências

  1. Terzolo M et al, N Engl J Med 356: 2372-80, 2007
  2. Fassnacht M et al, N Engl J Med 366(23): 2189-97, 2012
  3. Fassnacht M et al, Eur J Endocrinol. 179(4):G1-G46, 2018

 

mensagens-chave:

  • O cancro da suprarenal é um tumor raro
  • A cirurgia do cancro da suprarrenal pode ser curativa nos casos confinados à glândula
  • É urgente o desenvolvimento de novos tratamentos para os casos metastizados
Documentos anexos