Glândulas e doenças Endócrinas

Carcinoma medular da tiroide

O que é?

É um tumor maligno com origem nas células parafoliculares da tiroide. Por sua vez, a glândula tiroide (do grego thyreós ‘escudo’) é uma glândula endócrina que se localiza na base do pescoço e que tem dois tipos principais de células: as foliculares, que correspondem à maioria das células desta glândula e que se organizam em folículos, e as parafoliculares que correspondem a um contingente minoritário.

As células foliculares produzem as hormonas tiroideias e delas derivam os tumores mais comuns da tiroide. As células parafoliculares sintetizam uma outra hormona designada por calcitonina, delas deriva o carcinoma medular que corresponde só a 5-10% de todos os cancros da tiroide.

carcinoma_medular 

Em cerca 25% dos casos (1 em cada 4 casos), pode ser de transmissão familiar. Por outras palavras, em 75% dos casos o tumor é esporádico e não depende de transmissão familiar.

 

Como se pode manifestar?

Em muitos doentes pode ser assintomático durante muitos anos e ser detetado por exames de imagem pedidos por outras razões.

A manifestação mais comum é um nódulo tiroideu indolor. Apesar de silencioso, metastiza precocemente para os gânglios loco-regionais pelo que ao diagnóstico, em muitos casos, já há evidência de envolvimento ganglionar. Pode associar-se a diarreia e/ou “flushing” que resultam da libertação para a circulação de fatores produzidos pelas células neoplásicas com potencial de aumentar a motilidade intestinal e promover a vasodilatação.

 

Como se diagnostica?

O diagnóstico assenta na citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) e no doseamento da calcitonina em circulação.

A CAAF é um exame que consiste na picada do nódulo suspeito, geralmente orientado por ecografia, e que permite a colheita de células que serão analisadas pelo anatomopatologista.

 

Como se sabe se é uma forma familiar?

O aparecimento em idade jovem bem como a multifocalidade do tumor ou presença de hiperplasia de células “C” (lesão precursora) sugerem uma forma familiar. Também a coexistência de outros tumores endócrinos ou a história familiar de CMT fazem pensar nessa possibilidade.

O diagnóstico de certeza depende de estudo genético para rastreio de mutações germinais (alterações genéticas presentes em todas as células) no gene RET.

Em contexto de doença familiar, o CMT pode associar-se à presença de feocromocitoma (tumor da glândula suprarrenal) que produz catecolaminas e pode ser responsável por hipertensão arterial e a tumores das paratiroides (pequenas glândulas que habitualmente se localizam na face posterior da tiroide) e que podem condicionar elevação dos níveis de cálcio no sangue.

Na dependência do tipo de associação de tumores presente no seio de cada família, assim se reconhecem 3 subtipos: CMT familiar sem evidência de outros tumores endócrinos; síndrome de Neoplasias Endócrinas Múltiplas tipo 2A e tipo 2B sendo este último subtipo o mais raro e mais agressivo. Enquanto que o CMT está sempre presente, a penetrância das outras componentes é variável conforme se ilustra na tabela infra. Caracteristicamente, os doentes com a síndrome NEM 2B apresentam tumores benignos (neuromas das mucosas) nos lábios e língua a par de tumores do mesmo tipo (ganglioneuromas) nos intestinos responsáveis, estes últimos, por alterações do trânsito intestinal muito comuns nestes doentes.

 

Subtipo CMT Feocromocitoma Doença das Paratiroides Neuromas
CMT familiar 100% 0% 0% 0%
NEM 2A 100% 50% 20 – 30% 0%
NEM 2B 100% 50% Incomum >95%

 

O modo de transmissão da forma familiar é designado por autossómico dominante. Isto significa que a doença depende de gene dominante num cromossoma autossómico (hereditariedade não ligada ao sexo) bastando por isso herdá-lo de um progenitor para que a doença se manifeste.

Na prática, quando num casal há um elemento afetado, a probabilidade de transmissão aos descendentes é de 50%.

 

Porquê fazer o rastreio genético?

A identificação de uma alteração genética, para além de permitir perceber se é um CMT esporádico ou familiar, permitirá, quando se identifica uma mutação germinal, ter uma ideia do risco do doente vir a manifestar outros tumores endócrinos. Por exemplo, há mutações que se associam a risco elevado de vir a desenvolver feocromocitoma. A identificação destas mutações permitirá uma vigilância mais dirigida.

Por outo lado, a identificação de uma mutação germinal no doente permite o rastreio dessa mutação nos familiares próximos antes que a doença se tenha manifestado.

 

Como se trata?

A cirurgia é o tratamento standard para a doença limitada à tiroide ou com extensão aos gânglios loco-regionais. É desejável que seja realizada por cirurgiões com experiência e num centro em que haja, também, endocrinologistas com treino em oncologia tiroideia. Para além da tiroidectomia total (remoção total da tiroide), a extensão da cirurgia depende de um correto estadiamento para o qual a ecografia do pescoço é essencial. Em casos particulares, pode justificar-se a realização de outros exames complementares.

Após a cirurgia, haverá necessidade de tratamento com levotiroxina (hormona tiroideia) em dose a ajustar e que permita a condição de eutiroidismo.

 

Qual o prognóstico?

Depende, fundamentalmente, da extensão da doença ao diagnóstico e da eficácia da cirurgia inicial. A persistência, no pós operatório, de níveis de calcitonina elevados, sem evidência anatómica ou estrutural de doença, é relativamente frequente e a atitude nestes casos é de vigilância.

A sobrevida global aos 10 anos é de 70 – 80%. Nas formas familiares, a deteção dos portadores de mutação em fase pré-clínica permite a tiroidectomia profilática obviando à manifestação de doença o que reforça o benefício do rastreio genético.

Nos últimos anos, os avanços científicos e um melhor conhecimento das características moleculares do CMT conduziram à aprovação de novos medicamentos com indicação para utilização nas formas mais graves e avançadas.

Documentos anexos