Tenho Diabetes. Que complicações posso ter a longo prazo e qual a sua frequência?
Os níveis elevados de glicose no sangue – ou hiperglicémia –, de forma crónica, levam a danos progressivos em múltiplos órgãos, sobretudo na retina, nos nervos periféricos e nos rins. Se a hiperglicémia não for controlada, estes danos poderão tornar-se irreversíveis, eventualmente levando à perda de função do órgão. Após 30 anos de Diabetes, 4 em 5 pessoas têm lesão da retina – retinopatia diabética – e 2 em 5 pessoas têm lesões que comprometem a visão. A frequência das lesões nos nervos periféricos – neuropatia periférica –, sobretudo nos membros inferiores, é semelhante. Cerca de 1 em 3 pessoas com Diabetes há mais de 30 anos tem também lesão a nível dos rins – nefropatia diabética – de gravidade variável, desde danos incipientes a insuficiência renal crónica com necessidade de diálise.
Nas pessoas com Diabetes, a prevalência de doença arterial coronária, de doença cerebrovascular e de doença arterial periférica – insuficiente aporte de sangue aos membros inferiores – é 2 vezes a 4 vezes superior à das pessoas sem Diabetes.
As pessoas com Diabetes têm pior prognóstico relativamente às pessoas sem Diabetes quando têm um enfarte agudo do miocárdio ou um acidente vascular cerebral (AVC). A morte por enfarte do miocárdio ou por AVC é 2 vezes a 3 vezes superior nas pessoas com Diabetes relativamente á população sem Diabetes, e essa maior mortalidade já se verifica em jovens com Diabetes entre os 15 anos e os 34 anos. Na Diabetes tipo 2, o risco de enfarte do miocárdio ou de AVC é 2 vezes superior ao da Diabetes tipo 1, embora ambos os tipos de Diabetes comportem um risco elevado para estas complicações cardíacas e cerebrais.
Porque se desenvolvem as complicações da Diabetes?
A exposição crónica à hiperglicémia dos pequenos vasos que irrigam a retina, o rim, os nervos periféricos, o coração e o cérebro desencadeia a ativação de diversos fenómenos bioquímicos que originam substâncias tóxicas, as quais se depositam naqueles tecidos e desencadeiam as lesões típicas da Diabetes. Esta exposição crónica à hiperglicémia pode causar alterações da expressão normal dos genes que contribuem para um bom funcionamento dos tecidos, tornando estes suscetíveis à lesão. Este fenómeno, designado “memória metabólica”, explica porque pessoas com Diabetes que têm um bom controlo da sua glicémia criam uma boa “memória metabólica”, isto é, mantêm uma boa integridade dos seus tecidos e uma baixa frequência de complicações, mesmo com algum agravamento futuro dos seus níveis de glicose no sangue. Pelo contrário, pessoas com Diabetes mal controlada criam uma má “memória metabólica” e desenvolvem complicações que continuam a piorar mesmo se passarem a ter um bom controlo da sua Diabetes. Outros fatores que coexistem com frequência nas pessoas com Diabetes, como o colesterol elevado, a hipertensão arterial ou o consumo de tabaco, causam também danos nos tecidos atingidos pela hiperglicémia, acelerando a gravidade das lesões e a sua irreversibilidade.
O que é a Retinopatia diabética?
A deposição de substâncias tóxicas na retina e seus pequenos vasos origina o aparecimento de dilatações nestes vasos denominadas microaneurismas. Estes deixam passar fluídos, gorduras e proteínas para os tecidos da retina, e rompem com maior facilidade, originando hemorragias. Estas acumulações de material orgânico e sangue na retina alteram a sua estrutura, comprimem os pequenos vasos e impedem a passagem do sangue para o olho, originando pequenos enfartes. Finalmente, a falta de oxigenação e nutrição da retina estimula a formação de novos vasos, mais frágeis. Estes vasos são suscetíveis de romper e originar hemorragias, bem como de cicatrizar, repuxando a retina e descolando desta. A retinopatia classifica-se em não proliferativa e proliferativa, dependendo se já existe formação de novos vasos sanguíneos, sendo o segundo tipo mais grave e comportando um risco significativo de perda da visão. Por outro lado, se o acúmulo de fluídos e outras substâncias orgânicas ocorrer na mácula — zona da retina que permite a visão mais nítida —, pode ocorrer perda significativa da capacidade de ver com nitidez, e este fenómeno pode ocorrer com qualquer grau de retinopatia, incluindo ligeira. As pessoas com Diabetes têm mais frequentemente glaucoma (pressão elevada dentro do olho) e cataratas do que as pessoas sem Diabetes.
Como se deteta a Retinopatia diabética?
Dado que é frequente a retinopatia não causar sintomas, o seu rastreio é indicado 1) nas pessoas com Diabetes tipo 1, após 5 anos de diagnóstico de Diabetes; 2) nas pessoas com Diabetes tipo 2 ao diagnóstico da Diabetes, porque podem ter a doença não diagnosticada há vários anos. O rastreio deve ser periódico e vitalício. Se a pessoa tiver um rastreio inicial negativo para retinopatia diabética, a periodicidade das reavaliações pode passar a cada 1-2 anos. Se a pessoa tiver um diagnóstico de retinopatia não proliferativa ligeira/moderada, pode ser seguida a cada 6-12 meses. Graus mais avançados de retinopatia diabética devem ser avaliados com uma periodicidade máxima de 3-3 meses.
Como se trata a Retinopatia diabética?
O tratamento específico da retinopatia está indicado nas pessoas com retinopatia proliferativa, alguns casos de retinopatia não proliferativa grave/muito grave e quando há atingimento da mácula. A fotocoagulação da retina é um tipo de tratamento a laser para os olhos. O tratamento a laser evita que novos vasos anormais se formem na retina e no sistema de drenagem do globo ocular, e estimula os que já existem a formar cicatrizes. Isso torna-os menos propensos a sangrar ou a causar um tipo doloroso de glaucoma. As injeções de medicamento no interior do olho são outro possível tratamento da retinopatia, estando especialmente indicado quando há atingimento da mácula. Habitualmente é necessário realizar 1 injeção por mês nos primeiros 12 meses. Estes tratamentos reduzem o risco de progressão para cegueira em 50%.
A Diabetes bem controlada — HbA1c inferior a 7% ou glicémia média no sangue inferior a 155 mg/dL — é um fator decisivo para evitar o aparecimento ou o agravamento retinopatia diabética. A hipertensão arterial não controlada e os níveis elevados de colesterol no sangue aceleram o aparecimento da retinopatia e o agravamento desta. O tratamento da hipertensão arterial e dos níveis elevados de colesterol são também importantes uma vez que reduzem o risco de progressão da retinopatia.
O que é a Neuropatia diabética periférica?
Após vários anos de Diabetes mal controlada, vão surgindo lesões progressivas dos nervos periféricos, sobretudo nos pés, dando origem a alterações na sensibilidade tipicamente em forma de meia. Estas alterações da sensibilidade podem surgir também nas mãos, tipicamente em forma de luva. Algumas pessoas sentem dor, que pode variar de leve a forte, caracteristicamente tipo formigueiro, queimadura ou choque elétrico, sendo habitualmente pior à noite. As lesões dos nervos periféricos podem progredir e originar perda da capacidade de sentir os pés. Perder a capacidade de sentir pode aumentar o risco de fazer uma ferida no pé. As lesões podem ser causadas por sapatos apertados ou mal ajustados, pedras ou objetos pontiagudos, calor de aquecedores ou de água muito quente. Se surgir uma ferida no pé, esta pode passar despercebida porque a pessoa com Diabetes pode não a sentir. Esta ferida pode infetar e evoluir para úlcera, que pode levar muito tempo a cicatrizar. Em alguns casos, se a úlcera não cicatrizar, pode ser necessária uma amputação. As lesões podem afetar os nervos periféricos que estimulam os músculos responsáveis pelo movimento dos pés. A falta de coordenação dos músculos dos pés pode fazer com que estes puxem os pequenos ossos do pé, alterando a sua forma. Os dedos dos pés podem ficar em garras e o arco do pé tornar-se plano. Estas alterações da forma dos pés podem pressionar a pele em determinadas zonas, originando calos e úlceras, com risco de infeção e necessidade de amputação.
A neuropatia diabética pode afetar também os nervos de vários órgãos, como o coração, o estômago, os intestinos, a bexiga e os genitais. Daqui podem surgir vários sintomas como tontura quando se põe de pé, intolerância ao esforço, sensação de enfartamento e vómitos após a refeição, diarreia, prisão de ventre, incontinência urinária ou impotência sexual.
Como se deteta a Neuropatia diabética periférica?
A neuropatia periférica diabética deve ser pesquisada anualmente em consulta. Na Diabetes tipo 2, o rastreio deve começar após o diagnóstico da Diabetes, e na Diabetes tipo 1 aos 5 anos após o diagnóstico da Diabetes. Há várias formas de testar a sensibilidade nos pés, sendo o teste mais comum realizado com um monofilamento de 10 gramas, que permite identificar pés em risco de ulceração e amputação.
Como se trata a Neuropatia diabética periférica?
Os únicos tratamentos atuais disponíveis para tratar a neuropatia periférica são medicamentos que podem ajudar a aliviar os sintomas nos pés e nas mãos, bem como os sintomas causados pelas lesões dos nervos do coração, dos intestinos ou da bexiga.
A educação das pessoas com Diabetes que têm perda de sensibilidade nos pés é essencial para prevenir o desenvolvimento de úlceras. Consulta a sua equipa de saúde relativamente aos cuidados a ter com os seus pés.
Se mantiver a sua Diabetes controlada — HbA1c inferior a 7% ou glicémia média no sangue inferior a 155 mg/dL —, pode reduzir muito o risco de desenvolver neuropatia periférica, ou evitar que esta se agrave. O controlo dos outros fatores de risco, como a hipertensão arterial, o colesterol elevado e a cessação tabágica trazem benefícios significativos adicionais na prevenção/agravamento da neuropatia periférica.
O que é a Nefropatia diabética?
A nefropatia diabética é uma doença renal que se desenvolve devido aos efeitos a longo prazo da Diabetes mal controlada. O sangue que entra nos rins é filtrado por uma série de espirais de pequenos vasos sanguíneos, os glomérulos. Com o passar do tempo, a Diabetes mal controlada pode causar danos permanentes nesse sistema de filtragem que são os glomérulos. Se o glomérulo for danificado, há extravasamento de proteínas de grande tamanho, como a albumina, que habitualmente não passam através desses filtros naturais. A albumina pode ser detetada na urina e habitualmente representa o primeiro sinal de lesão renal provocada pela Diabetes. Se a Diabetes persistir descontrolada, tanto maior é a quantidade de albumina que extravasa para a urina, e o rim eventualmente começará a funcionar pior. A função do rim é uma medida de quantos mililitros de sangue são limpos por este órgão a cada minuto (medido em mililitros por minuto). A função renal normal em jovens saudáveis é de habitualmente 80-100 mililitros por minuto, e a dos idosos saudáveis 40-80 mililitros por minuto. A função do rim pode ser estimada por um cálculo que envolve a colheita de sangue e a medição dos níveis de um produto residual chamado creatinina.
Como se deteta a Nefropatia diabética?
Todos os anos deverá ser avaliado, por análises de sangue e de urina, quanto à sua função renal e à presença de albumina na urina. Se já tem má função renal ou albumina elevada na urina, deverá ser avaliado pelo menos 2 vezes por ano.
Como se trata a Nefropatia diabética?
Se controlar convenientemente a sua Diabetes, o risco de lesão do rim é muito baixo e, caso já tenha nefropatia diabética, pode tornar lenta ou impedir a progressão da lesão renal. Se já tiver albumina elevada na urina e hipertensão arterial, deverá tentar manter esta inferior a 130/80 mmHg, idealmente com medicamentos da família dos inibidores da enzima conversora da angiotensina ou antagonistas dos recetores da angiotensina. Estas famílias de medicamentos, utilizadas para tratar a hipertensão arterial, provaram reduzir o risco de agravamento da albumina na urina e da função do rim. Algumas famílias de medicamentos para tratar a Diabetes reduzem o risco de agravamento da função do rim, como é o caso dos inibidores do co-transportador de glicose e sódio tipo 2 e dos análogos do GLP1. Se já tiver nefropatia diabética, deverá ingerir uma quantidade máxima diária de proteína na sua dieta de 0.8 gramas de proteína por quilo de peso. A redução da ingestão de sal permite controlar melhor a sua tensão arterial e proteger o rim.