O que é a vitamina D e porque é importante?
A vitamina D é uma hormona e é única porque pode ser sintetizada na pele a partir da exposição ao sol. Há duas formas de vitamina D. A vitamina D2 (ergocalciferol) é produzida através da irradiação ultravioleta (UV) de leveduras e cogumelos expostos ao sol, podendo depois ser ingerida em suplementos dietéticos ou administrada como medicamento. A vitamina D3 (colecalciferol) é sintetizada na pele através da exposição solar. Também está presente nalguns alimentos, como peixes gordos (ex.: salmão, sardinha, cavala, arenque) e ovos. A vitamina D obtida a partir da dieta ou da pele é biologicamente inativa e tem de ser convertida no fígado em 25-hidroxivitamina D (25(OH)D, ou calcidiol) e, posteriormente, no rim, na sua forma biologicamente ativa, a 1,25-di-hidroxivitamina D (1,25(OH)2D, ou calcitriol).
Assim, os níveis de vitamina D no sangue dependem de fatores externos (exposição solar e alimentação) e de fatores internos (conversão a nível do fígado e depois a nível do rim na forma biologicamente ativa).
A vitamina D ativa, ou calcitriol, estimula a absorção intestinal de cálcio e de fósforo. A nível renal, o calcitriol promove a reabsorção de cálcio, diminuindo a sua excreção na urina. No osso, o calcitriol promove a mobilização de cálcio e de outros minerais do esqueleto.
O calcitriol também tem outras ações biológicas, incluindo a inibição da proliferação celular, inibição da angiogénese, estimulação da produção de insulina, entre outros.
Nos últimos 20 anos, tem-se estudado extensivamente o papel da vitamina D no sistema imunológico. O papel da vitamina D na resposta imunológica parece ser regulado principalmente pela disponibilidade de 25(OH)D e também pela estimulação do sistema imunológico nos tecidos alvo pela 1,25(OH)2D.
Quais os níveis normais de vitamina D?
Continua a haver alguma controvérsia em relação ao que são considerados os níveis normais de vitamina D no sangue. O doseamento da 25(OH)D é considerado o melhor marcador no sangue para avaliar os níveis de vitamina D, refletindo os níveis dos restantes metabolitos da vitamina D.
A Direção-Geral da Saúde (DGS), considera que a insuficiência de vitamina D deve ser definida como uma concentração plasmática de 25(OH)D entre 30-50nmol/L ou 12-20ng/mL em idade pediátrica, e entre 50-75nmol/L ou 20-30ng/mL em idade adulta. Já a deficiência de vitamina D deve ser definida como uma concentração de 25(OH)D no sangue inferior a 30nmol/L ou 12ng/mL em idade pediátrica, e inferior a 50nmol/L ou 20ng/mL no adulto.
Atualmente, também ainda não há consenso no que diz respeito ao limite máximo de vitamina D no sangue. O excesso de vitamina D pode levar a aumento dos níveis de cálcio no sangue, o que pode ser perigoso. Existe risco de toxicidade para níveis de 25(OH)D superiores a 100ng/mL em pessoas que ingiram níveis consideráveis de cálcio.
Quais as consequências da deficiência de vitamina D?
As manifestações clínicas da deficiência de vitamina D dependem da gravidade e da duração da deficiência. A deficiência grave de vitamina D, com consequente diminuição dos níveis de cálcio e/ou de fósforo sangue, pode causar raquitismo nas crianças e osteomalácea nos adultos. No entanto, esta situação é atualmente rara nos países desenvolvidos. No entanto, deficiências menos graves de vitamina D estão associadas a osteoporose, aumento do risco de quedas e, possivelmente, de fraturas ósseas.
Para além do papel na homeostasia do cálcio e do osso, a vitamina D pode regular muitas outras funções celulares. No entanto, os estudos ainda são insuficientes para confirmar uma relação causal entre a deficiência de vitamina D e o sistema imunológico, cardiovascular, metabólico, neurológico e até com o cancro.
Quais as causas da deficiência de vitamina D?
A principal fonte de vitamina D na criança e no adulto é a exposição solar. Como há poucos alimentos naturalmente ricos ou fortificados em vitamina D, a principal causa de deficiência de vitamina D é a inadequada exposição solar. Por exemplo, a utilização de um protetor solar com fator de proteção de 30 reduz a síntese de vitamina D na pele em mais de 95%. As pessoas com um tom de pele mais escuro têm uma proteção natural contra o sol e necessitam de uma exposição 3-5 vezes mais longa para produzir a mesma quantidade de vitamina D que uma pessoa com pele clara.
Outras causas conhecidas de deficiência de vitamina D são:
- Obesidade
- Idade avançada
- Gravidez e amamentação
- Síndromes de má absorção intestinal que levam a deficiente absorção da vitamina D (ex.: fibrose quística, doença inflamatória intestinal)
- Pessoas submetidas a cirurgia bariátrica (ex.: bypass gástrico)
- Pessoas com síndrome nefrótico (devida a perda de vitamina D ligada às proteínas pela urina)
- Pessoas tratadas com alguns medicamentos antiepiléticos, medicamentos para o HIV/SIDA, corticóides
- Pessoas com alguns tipos de linfomas
- Pessoas com doenças granulomatosas (ex.: sarcoidose, tuberculose)
- Pessoas com hiperparatiroidismo primário (produção descontrolada de paratormona)
Qual a prevalência de deficiência de vitamina D na população portuguesa?
Um estudo publicado em 2020, que avaliou a prevalência da vitamina D na população portuguesa entre 2011 e 2013 e que incluiu mais de 3000 indivíduos, revelou que mais de 60% da população portuguesa apresenta níveis de 25(OH)D inferiores a 20ng/mL. Os fatores preditores de níveis de 25(OH)D inferiores a 10ng/mL foram viver no arquipélago dos Açores, colheita de sangue no inverno ou primavera, idade avançada, obesidade, tabagismo e ser do género feminino. Este estudo demonstrou uma elevada variação geográfica e sazonal nos níveis de vitamina D.
A quem é que deve ser pedido o doseamento de vitamina D?
A DGS recomenda o doseamento da vitamina D a pessoas com idade superior a 65 anos a viver em unidades de internamento de cuidados continuados de longa duração e manutenção (mais de 90 dias) e pessoas com fatores de risco documentados para deficiência de vitamina D (tais como os grupos de risco mencionados no ponto 3). Também está indicado o seu doseamento em pessoas com doenças metabólicas congénitas ou adquiridas do cálcio e vitamina D, pessoas com antecedentes de deficiência de vitamina D e com alterações do metabolismo do cálcio e do fósforo.
Os adultos que não tenham fatores de risco de deficiência de vitamina D não necessitam de efetuar o seu doseamento, não sendo assim recomendado o seu rastreio universal.
Qual a relação entre a deficiência de vitamina D e a COVID-19?
A suspeita de uma associação entre os níveis de vitamina D e as infeções respiratórias resultou da observação de que há um risco maior de infeção pelo vírus da gripe (Influenza) no inverno, quando os níveis de vitamina D estão mais baixos. Por outro lado, no verão, quando os níveis de vitamina D estão mais elevados, a infeção por Influenza praticamente desaparece (exceto em situações pandémicas, mas mesmo nestas situações a mortalidade é mais baixa do que no inverno).
Vários estudos experimentais têm demonstrado que a vitamina D tem um papel facilitador da resposta do sistema imunológico a infeções respiratórias e que poderá ter um papel potencial na prevenção da tempestade de citoquinas resultante da desregulação do sistema imunológico inato.
Uma meta-análise que incluiu mais de 11000 pacientes de 25 ensaios clínicos randomizados e controlados, demonstrou que a suplementação com vitamina D (em doses diárias ou semanais) teve um papel protetor contra o desenvolvimento de infeções respiratórias, com um efeito mais pronunciado em indivíduos com deficiência grave de vitamina D (<10ng/mL).
Perante estes dados, muitos investigadores têm estudado qual a associação entre a deficiência de vitamina D e a gravidade da COVID-19, assim como os potenciais benefícios do tratamento com vitamina D na prevenção e evolução da doença. Alguns estudos mostraram que as pessoas hospitalizadas com COVID-19 grave tinham níveis baixos de vitamina D. No entanto, os fatores de risco de desenvolvimento de COVID-19 grave e de deficiência de vitamina D (tais como mau estado geral, diabetes, doença renal e do fígado) são os mesmos. Por isso, é difícil determinar se a deficiência de vitamina D por si só é um fator de risco de COVID-19 grave.
Em Portugal, o estudo VITACOV (A Vitamina D e a Infecção Covid-19: O Papel da Genética dos Portugueses), foi realizado em parceria com o Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa/Hospital Santa Maria, HeartGenetics Genetics and Biotechnology, Nova Medical School, Faculdade de Medicina do Porto/ Hospital São João e infraestrutura BioData.pt. O estudo decorreu entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, e incluiu 517 doentes internados nos Hospitais de Santa Maria, em Lisboa, e do Hospital de São João, no Porto. O estudo revelou que mais de metade dos doentes internados tinham deficiência ou insuficiência de vitamina D; 40% dos doentes internados tiveram COVID-19 grave e 18% tiveram um desfecho fatal. O estudo também identificou uma associação entre determinadas características genéticas e baixos níveis de vitamina D no sangue.
Mas será que a suplementação com vitamina D pode prevenir o desenvolvimento de COVID-19 e ter um efeito benéfico no curso da doença? Uma revisão sistemática da Cochrane, publicada em maio de 2021, avaliou os efeitos do tratamento com vitamina D em adultos com COVID-19 confirmada laboratorialmente na mortalidade por qualquer causa, melhoria ou agravamento do estado do doente, efeitos indesejados e qualidade de vida. Os autores avaliaram 3 ensaios clínicos randomizados e controlados que incluíram 356 participantes. Visto que os estudos eram heterogéneos, com diferentes metodologias (nomeadamente doses diferentes de vitamina D administrada) e com um pequeno número de participantes, não foi possível estabelecer uma relação entre o tratamento com vitamina D e os resultados avaliados.
Assim, ainda não é claro se a suplementação com vitamina D é eficaz na prevenção da COVID-19 e se pode levar a um curso menos grave da doença. Na ausência de evidência, alguns autores têm recomendado a suplementação com doses diárias de 1000 a 2000UI de colecalciferol, uma vez que são seguras e eficazes na reposição dos níveis de vitamina D.
Como se previne e se trata a deficiência de vitamina D?
A prevenção da deficiência de vitamina D deve ser incentivada em programas de educação para a saúde. A DGS incentiva a adoção de algumas medidas práticas, como a ingestão de ovos e peixes gordos (ex.: sardinha e salmão) e exposição solar moderada, desde que sejam respeitadas as regras de prevenção de cancros da pele. Outra forma de obter a vitamina D pela alimentação é através da ingestão de alimentos fortificados em vitamina D.
Nas crianças saudáveis até aos 12 meses de vida, independentemente do seu tipo de alimentação, deve ser prescrito um suplemento de vitamina D, na dose de 400 UI (10 µg) por dia.
Em adultos e idosos até aos 70 anos com deficiência documentada de vitamina D, deve ser prescrita suplementação com 600 UI por dia de Vitamina D. Nos idosos com 70 ou mais anos, a dose deve ser de 800 UI por dia. Em situações de maior gravidade clínica ou em doentes com síndromes de má absorção, são frequentemente necessárias doses mais elevadas para reposição dos níveis de vitamina D, seguidas de uma dose de manutenção.
Para avaliação da necessidade ou não de suplementação com vitamina D, deve consultar-se o Médico Assistente.
Durante o tratamento, devem ser vigiados sinais que possam sugerir intoxicação com vitamina D e que podem levar a aumento dos níveis de cálcio no sangue, tais como efeitos gastrointestinais (ex.: obstipação, náuseas, vómitos, dor abdominal), sintomas urinários (aumento da sede, aumento da diurese) e cálculos renais (“pedra no rim”).
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