Glândulas e doenças Endócrinas

Doença endócrina nos sobreviventes de cancro

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, tem-se assistido a um aumento da incidência de neoplasias, mas também a um incremento das taxas de sobrevivência. Consequentemente, as sequelas associadas ao cancro são cada vez mais frequentemente diagnosticadas, sendo as doenças endócrinas das mais prevalentes. Dependendo do tipo de tumor e/ou dos tratamentos oncológicos realizados, o sobrevivente de cancro pode necessitar de seguimento endocrinológico para o resto da vida.

 

1) DISFUNÇÃO HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIA (HH)

O hipotálamo e a hipófise são glândulas endócrinas que comunicam entre si e que controlam vários órgãos do corpo, através da produção de hormonas, estando situadas na linha média do cérebro. A disfunção HH pode manifestar-se logo após cirurgia ao sistema nervoso central (SNC), por crescimento do tumor na região HH, ou após radioterapia (RT) sobre o SNC. É por isso essencial uma vigilância endócrina periódica, sobretudo nas crianças.

 

1.1 Défice de Hormona de Crescimento (HC)

O défice de HC é a disfunção HH mais frequente. A HC tem um papel fulcral durante a infância e puberdade, sendo que, quando em défice, cursa com desaceleração do crescimento. A HC também controla a distribuição da gordura no corpo e promove o bom funcionamento do coração, do osso e dos músculos nos adultos e crianças.

A terapêutica com HC pode ser iniciada um ano após o término dos tratamentos oncológicos e é administrada por injecção subcutânea. Actualmente já está aprovado o seu uso no adulto.

 

1.2 Défice de Gonadotrofinas

As gonadotrofinas são hormonas que atuam sobre os ovários e testículos, responsáveis pelo início da puberdade, manutenção da capacidade reprodutora e produção de hormonas sexuais.

O seu défice vai manifestar-se consoante a idade em que ocorre. Nas crianças, manifesta-se por atraso da puberdade. No adulto, as principais queixas são irregularidade ou ausência da menstruação nas mulheres e diminuição da energia e da líbido nos homens.

Geralmente, o tratamento destes défices é realizado com estrogénios e progesterona no sexo feminino e testosterona no sexo masculino; as doses de cada fármaco variam consoante a idade.

 

1.3 Puberdade precoce

Pode ocorrer em doentes com tumores ou irradiação da região HH ou hidrocefalia. Para além dos possíveis distúrbios psicossociais associados, leva ao encerramento precoce das placas de crescimento, isto é, a criança pode deixar de crescer mais precocemente e, consequentemente, a sua estatura final pode ser inferior à esperada. O tratamento consiste na frenação temporária da puberdade.

 

1.4 Défice de hormona estimuladora da tiróide (TSH)

A TSH, secretada da hipófise, estimula a tiróide a produzir hormonas tiroideias (HT). Na criança, o seu défice manifesta-se por desaceleração do crescimento e atraso da idade óssea, enquanto que no adulto, a fadiga, obstipação e intolerância ao frio podem fazer parte do quadro clínico. O tratamento consiste na reposição de HT (levotiroxina).

 

1.5 Défice de hormona adrenocorticotrófica (ACTH)

A ACTH é secretada pela hipófise e atua nas supra-renais de forma a estimular a produção de cortisol. Os sintomas relacionados com o seu défice crónico são inespecíficos (fadiga); contudo, em situações de maior stress, o doente pode ficar gravemente desidratado e com a tensão baixa, o que constitui uma situação ameaçadora de vida. O tratamento é feito com glucocorticóides (hidrocortisona ou prednisolona).

 

1.6 Diabetes insípida

Resulta do défice de hormona antidiurética (ADH), secretada da neuro-hipófise. Manifesta-se pela perda de uma grande quantidade de água pela urina e aumento da sede.

O tratamento é feito com desmopressina nasal ou em comprimidos.

 

2) DISFUNÇÃO TIROIDEIA

A tiróide localiza-se no pescoço; produz HT responsáveis pelo desenvolvimento do cérebro e crescimento na infância e pelo metabolismo no adulto, actuando em vários órgãos.

A disfunção tiroideia resulta primariamente da irradiação da região cervical ou zonas contíguas.

Manifesta-se por hipotiroidismo ou nódulos tiroideus.

 

2.1 Hipotiroidismo

Define-se pela diminuição da produção de HT e os sintomas são semelhantes aos descritos no défice de TSH.

 

2.2 Nódulos tiroideus

Os nódulos tiroideus podem ser benignos ou malignos. O risco de cancro da tiroide é maior nos doentes irradiados em comparação com a população geral e depende da dose de radiação administrada. A vigilância é feita com palpação e ecografia da tiróide, e, na presença de um nódulo suspeito, deve ser realizada citologia. A cirurgia pode estar indicada em casos específicos.

 

3) DISFUNÇÃO GONÁDICA

As gónadas – ovários na mulher e testículos no homem – podem ser lesados por diferentes mecanismos: quimioterapia (QT), cirurgia e radioterapia que envolva a região pélvica. Os sintomas e terapêuticas são semelhantes aos descritos no défice de gonadotrofinas. Estes tratamentos oncológicos podem ainda afectar a fertilidade em ambos os sexos.

 

4) SÍNDROME METABÓLICA

Define-se por hipertensão, aumento do colesterol, diabetes e/ou excesso de peso ou obesidade e associa-se a maior mortalidade cardiovascular. A prevalência é maior nos sobreviventes de cancro, sobretudo nos submetidos a transplante de medula óssea, QT, RT torácica ou abdominal, ou corticoterapia. Outros défices hormonais (HC, hormonas sexuais) também contribuem para o desenvolvimento desta síndrome.

A vigilância é feita na consulta (avaliação do peso e tensão arterial) e através de análises (glicémia e perfil lipídico). As recomendações de estilo de vida - dieta saudável e exercício físico regular – devem ser enfatizadas nos sobreviventes de cancro.

 

5) RISCO ÓSSEO

As anomalias ósseas são comuns nos sobreviventes de cancro. O esqueleto das crianças é particularmente sensível ao efeito das terapêuticas oncológicas. O uso prolongado de corticóides e alguns tipos de QT têm como consequência osteopenia e osteoporose, aumentando o risco de fracturas. O défice crónico de hormonais sexuais e da HC também cursa com aumento do risco ósseo, sendo diminuído pela reposição das mesmas.

 

6) COMPLICAÇÕES ENDÓCRINAS DA IMUNOTERAPIA

Nos últimos anos, a imunoterapia (nomeadamente, os inibidores dos checkpoint imunitários) tem permitido melhorar significativamente o prognóstico de diferentes tipos de cancro avançado. No entanto, podem ocorrer várias complicações imuno-mediadas, incluindo endócrinas (com inflamação de diferentes glândulas).

A tiroidite, que pode cursar tanto com hipotiroidismo, como com um aumento das hormonas tiroideias no sangue, é uma complicação frequente da imunoterapia.

A hipofisite pode manifestar-se com cefaleias (dores de cabeça) e cansaço, sendo diagnosticada através de análises sanguíneas, onde se observa diminuição de uma ou mais hormonas hipofisárias.

Estes fármacos podem ainda causar, ainda que raramente, adrenalite, que cursa com diminuição da produção das hormonas das supra-renais, que, se não atempadamente diagnosticada, pode ser ameaçadora de vida.

A imunoterapia pode também levar ao desenvolvimento de diabetes, por destruição imune das células do pâncreas que produzem insulina. O início deste tipo de diabetes é geralmente abrupto, com valores muito elevados de glicémia, sendo necessário instituir terapêutica com insulina.

 

FRASES CHAVE:

  • Dependendo do tipo de tumor e/ou dos tratamentos realizados, o sobrevivente de cancro pode necessitar de seguimento endocrinológico para o resto da vida.
  • Geralmente, a disfunção endócrina cursa com a diminuição da produção de hormonas, algumas fundamentais à vida, que podem ser repostas através de medicação específica.
  • As complicações endócrinas do cancro devem ser investigadas em qualquer idade, mas o seu diagnóstico e tratamento é fundamental nas crianças, pois podem interferir com o crescimento e puberdade.
  • A irradiação da zona cervical e de zonas contíguas pode levar a hipotiroidismo e desenvolvimento de nódulos da tiróide.