Glândulas e doenças Endócrinas

Falência Ovárica Prematura

OVÁRIOS - O que são?

Os ovários são duas glândulas do sistema reprodutor feminino localizados na pelve (Figura 1). Apesar de relativamente pequenos, têm a capacidade de produzir a célula sexual feminina, o óvulo e as hormonas sexuais femininas (estrogénios e progesterona). Os estrogénios são hormonas reguladoras importantes de vários processos vitais no nosso organismo: permitem o desenvolvimento pubertário feminino, protegem contra doenças cardiovasculares e estimulam a formação de osso resistente, diminuindo o risco de fraturas ósseas.

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Figura 1. Sistema reprodutor feminino. Os ovários encontram-se assinalados com a seta rosa.

 

FALÊNCIA OVÁRICA PREMATURA OU PRIMÁRIA - O que é?

Trata-se de uma doença em que os ovários deixam de funcionar normalmente em mulheres jovens com < 40 anos, assemelhando-se a uma menopausa precoce. A produção de hormonas sexuais femininas e óvulos é interrompida e as mulheres deixam de menstruar e ovular, existindo menor probabilidade de engravidar. Contudo, em 5-10% dos casos, há produção intermitente de hormonas sexuais femininas e capacidade de ovulação, o que significa que algumas mulheres poderão engravidar.

 

FATORES DE RISCO - Tenho risco de desenvolver esta doença?

Na maioria dos casos (>90% dos casos), a causa desta doença é idiopática, ou seja, desconhecida. Noutros casos, a falência ovárica pode ser explicada por alterações genéticas, exposição a tóxicos, doenças auto-imunes, infeções ou procedimentos cirúrgicos (remoção dos ovários ou sequelas cirúrgicas), sendo importante fazer exclusão destas causas. Seguidamente, destacam-se algumas das causas:
Causas genéticas
Podem ser secundárias a alterações nos cromossomas ou em genes individuais. Os cromossomas são estruturas que contêm o nosso material genético altamente organizado, podendo conter centenas de genes.  A Síndrome de Turner consiste numa alteração cromossómica sexual em que as mulheres possuem apenas um cromossoma X (X0), em vez de 2 cromossomas (XX). A Síndrome do X frágil é outra doença genética em que existe um gene defeituoso no cromossoma X (pré-mutação do gene FMR1), estando esta doença muitas vezes associada a atraso mental.

 

Causas tóxicas

As causas mais comuns são os fármacos utilizados na quimioterapia e radioterapia utilizados no tratamento de cancro. O tabagismo também poderá induzir alterações ligeiras na função dos ovários.

 

Causas auto-imunes

O sistema imune consiste no sistema de defesa do organismo, capaz de destruir microorganismos invasores que causam infeção ou células anormais como as células cancerígenas. Contudo, em alguns casos, o sistema imune não consegue diferenciar as células normais do organismo das que são lesivas, destruindo células saudáveis do corpo. A falência ovárica pode ocorrer secundariamente à destruição imune dos ovários.

 

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS - Quais são os sintomas?

A maioria das mulheres desenvolve uma puberdade normal e períodos regulares. O sintoma inicial mais comum que motiva procura de auxílio médico é a alteração do padrão de menstruação, ocorrendo menstruações irregulares (“oligomenorreia”, com ciclos > 45 dias ao invés dos ciclos regulares de 21 a 35 dias) ou ausência de menstruação (“amenorreia”). Devido à ausência de hormonas sexuais femininas como o estrogénio, as mulheres podem referir “afrontamentos”, suores noturnos, secura vaginal que torna a relação sexual dolorosa (“dispareunia”) ou diminuição da libido e infertilidade. Algumas mulheres experienciam alterações de humor como irritabilidade e dificuldade em dormir. Os estrogénios têm ainda efeitos protetores no osso e no sistema cardiovascular. Assim, a falência ovárica associa-se a um aumento do risco de osteoporose e de fraturas ósseas bem como de eventos cardiovasculares como enfarte cerebral e cardíaco.

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Figura 2. Sintomas de falência ovárica prematura.
 

DIAGNÓSTICO - Como é que posso saber se tenho falência ovárica?

Mulheres com idade inferior a 40 anos com períodos irregulares por ≥3 meses deverão procurar auxílio médico. O diagnóstico inicia-se com a colheita de análises sanguíneas onde são doseadas duas hormonas: FSH (hormona folículo-estimulante, produzida na hipófise a nível cerebral, que estimula os ovários a produzirem estrogénios) e estrogénios (Figura 3). Na falência ovárica prematura, os valores de FSH encontram-se elevados e os níveis de estrogénios baixos. 
E o que significa isto? Os níveis de FSH elevados indicam que o cérebro está a tentar estimular os ovários, que não se encontram a funcionar normalmente, a produzir mais estrogénios.

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Figura 3. Eixo hipófise-ovário. A hipófise é uma estrutura cerebral que produz a FSH que estimula os ovários a produzir estrogénios.

Na consulta são excluídas outras causas de irregularidades menstruais como gravidez, alterações da tiróide ou da hormona prolactina. Se as análises sanguíneas confirmarem falência ovárica, o estudo continua no sentido de tentar encontrar uma causa. Podem ser pedidos outros testes mais específicos de auto-imunidade, estudo genético ou cariótipo para deteção de alterações cromossómicas.

 

PREVENÇÃO - Há maneira de prevenir ou minimizar a doença?

Existem diversas estratégias de preservação de fertilidade para as mulheres que pretendam engravidar futuramente. Destacam-se a criopreservação de embriões (que consiste no congelamento a baixas temperaturas de embriões), criopreservação de óvulos (congelamento dos óvulos após estimulação com hormonas e extração com uma agulha muito fina) ou de tecido ovárico (cirurgia minimamente invasiva para retirar fragmentos de tecido ovárico). Estas técnicas possibilitam uma gestação espontânea mas a gravidez não é sempre garantida. 

 

TRATAMENTO - Há cura?

Não existe propriamente uma cura mas o tratamento ajuda na melhoria dos sintomas e diminuição de complicações.
- Intervenção psicossocial
Receber o diagnóstico de falência ovárica poderá ser emocionalmente devastador. O tratamento deverá incidir no bem-estar físico e emocional da mulher, podendo ser necessário intervenção psicológica e alterações do estilo de vida como cessação tabágica, alimentação equilibrada e prática regular de atividade física.
- Tratamento de reposição hormonal
Um dos pilares do tratamento é repor as hormonas sexuais que os ovários deixaram de produzir. O tratamento hormonal oral combinado, vulgarmente conhecido por pílula, é o tratamento de eleição e consiste na combinação de um estrogénio e progestativo.
Esta é mantida até à idade natural de surgimento da menopausa, por volta dos 50 - 51 anos. Este tratamento alivia os sintomas de “afrontamentos”, suores, secura vaginal, dor durante a relação sexual e confere proteção cardiovascular bem como óssea mas não restaura a fertilidade.

Receber o diagnóstico de falência ovárica pode ser emocionalmente devastador para uma mulher que pretenda engravidar. É importante promover um suporte emocional e explorar outras possibilidades para experienciar o “ser mãe”.

 

BIBLIOGRAFIA:

Welt, C.K. Pathogenesis and causes of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). Uptodate, Novembro 2020.
Welt, C.K. Patient education: Early menopause (primary ovarian insufficiency) (Beyond the Basics). Uptodate, Julho 2021.
Warren, M. S. Primary Ovarian Insufficiency. Dynamed, Novembro 2018.
Welt, C.K. Clinical manifestations and diagnosis of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). Uptodate, Julho 2021.
Matos, M. J. et al. Preservação da fertilidade na mulher com cancro - 2012. Revista Portuguesa de  Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Outubro 2012.

Documentos anexos