A importância clínica do colesterol alto (hipercolesterolemia) está ligada às doenças cardiovasculares (angina de peito, enfartes cardíacos, doenças vasculares cerebrais, renais e dos membros inferiores).
O que é o colesterol? Existe o colesterol “bom” e o colesterol “mau”?
O colesterol é um lípido (gordura) produzido maioritariamente pelo fígado e cerca de 10 a 30% provem dos alimentos que ingerimos.
O colesterol faz parte da membrana das células do organismo humano, da bainha que protege os nervos e é necessário para a produção da bílis pelo fígado, de vitamina D e de outras hormonas.
Como o colesterol (gordura) é insolúvel em água, para ser transportado no sangue até aos órgãos necessita de proteínas específicas, formando as lipoproteínas. As lipoproteínas dividem-se de acordo com a sua densidade e as duas principais lipoproteínas na avaliação clínica do doente são:
- As LDL (low-density lipoprotein) ou vulgarmente conhecido como colesterol “mau”. A sua função é transportar o colesterol do fígado até aos órgãos. Chama-se colesterol “mau” porque um nível alto de colesterol LDL no sangue leva à formação de placas de gordura que podem entupir as artérias.
- As HDL (high-density lipoprotein) ou vulgarmente conhecido como o colesterol “bom”. A sua função é transportar o colesterol dos órgãos até ao fígado para eliminação através da bílis e depois pelo intestino. Chama-se “colesterol bom” porque diminui os efeitos nocivos do colesterol LDL.
O colesterol total é a soma do colesterol presente nas HDL, LDL e VLDL (very low-density lipoprotein).
O que é hipercolesterolemia? Dá sintomas?
A hipercolesterolemia é um termo médico, aplicado quando o colesterol total ou o colesterol LDL estão elevados. Como a hipercolesterolemia em si não dá sintomas, o diagnóstico faz‐se pela avaliação laboratorial, no sangue, dos níveis de colesterol.
A hipercolesterolemia pode ser de causa genética ou associada ao estilo de vida, uso de certos medicamentos e doenças.
A principal causa da hipercolesterolemia é um estilo de vida sedentário com consumo excessivo de gorduras saturadas e processadas industrialmente.
Quando devo fazer o rastreio dos valores do meu colesterol?
As indicações para a determinação laboratorial do colesterol, de acordo com as orientações nacionais, são:
- Homens com idade igual ou superior a 40 anos e mulheres com idade igual ou superior a 50 anos ou na pós-menopausa;
- Diabetes mellitus, independentemente da idade;
- Doença cardiovascular aterosclerótica;
- Doença renal crónica;
- Doença inflamatória crónica (ex. artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistémico, psoríase);
- Fatores de risco clássicos para doença cardiovascular, para além de diabetes mellitus (tabagismo, hipertensão arterial, obesidade);
- História familiar de doença cardiovascular prematura (antes dos 55 anos de idade nos homens, ou antes dos 60 anos nas mulheres);
- História familiar de dislipidemia familiar.
Porque é importante manter o colesterol em níveis adequados?
O colesterol total, sobretudo o colesterol LDL, em elevadas concentrações está associado à deposição de gordura na parede interna das artérias (vasos sanguíneos que levam o sangue do coração para os órgãos), formando placas de gordura e de outros constituintes acelulares e celulares - a que se dá o nome de aterosclerose. Estas placas de gordura podem obstruir as artérias e provocar danos nos órgãos.
Os eventos cardiovasculares, como o enfarte cardíaco e o acidente vascular cerebral isquémico (AVC) são a principal causa de mortalidade em Portugal (29.9% de todos os óbitos em 2019). (Fontes de Dados: PORDATA).
O enfarte agudo do miocárdio e o AVC podem decorrer da obstrução das artérias pela presença de placas ateroscleróticas e estudos clínicos nos últimos 50 anos mostraram que a redução dos níveis do colesterol LDL pode fazer regredir as lesões ateroscleróticas e reduzir a ocorrência destes eventos, sobretudo naqueles com doença cardiovascular (prevenção secundária). Assim, a manutenção de níveis adequados de colesterol LDL é um dos fatores mais importantes para a prevenção primária e secundária dos eventos cardiovasculares.
Existem diferentes objetivos terapêuticos para os níveis de colesterol dependendo da pessoa e da presença de outros fatores de risco de doença cardiovascular (ex. tabagismo, diabetes mellitus, doença renal crónica).
Na generalidade da população, sem considerar o risco cardiovascular, os valores adequados de colesterol são:
- Colesterol total abaixo de 200 mg/dL;
- Colesterol HDL acima de 60 mg/dL;
- Colesterol LDL abaixo de 116 mg/dL;
- Triglicéridos abaixo de 150 mg/dL.
Qual é o tratamento para o colesterol alto (Hipercolesterolemia)?
O colesterol deve ser mantido em valores adequados, de acordo com o risco cardiovascular do doente. Podemos dividir o tratamento em dois passos: o primeiro passo do tratamento aplica-se a TODOS os que apresentam colesterol alto ou acima do objetivo; o segundo passo aplica-se só aos doentes com indicação médica para a toma de medicamentos que reduzem o colesterol.
O primeiro passo são as medidas gerais que englobam a alimentação, a atividade física, a cessação dos hábitos tabágicos e manutenção do peso corporal saudável:
- Alimentação – É recomendado uma alimentação com baixo teor de gordura saturada e processada industrialmente (gordura trans).
Dar preferência ao consumo de gorduras monoinsaturadas (azeite extra virgem), gorduras polinsaturadas (ómega-3 e ómega-6), alimentos integrais, vegetais, fruta e peixe.
O consumo de bebidas e de alimentos com açúcares adicionados, particularmente refrigerantes e alimentos industrializados, devem ser evitados.
Para mais informações sobre alimentação saudável e leitura de rótulos: https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/ (link).
- Atividade física - Nos adultos é recomendado 150 minutos ou mais de atividade física moderada a intensa por semana ou 30-60 minutos por dia, evitando mais de 2 dias seguidos sem atividade. Nas crianças e jovens recomenda-se mais de 60 minutos de atividade física por dia, todos os dias. O aumento da atividade física deve ser encorajado, mesmo o não estruturado, como as tarefas do dia-a-dia: limpar a casa, usar as escadas em vez do elevador, passear o cão, jardinagem, entre outros. “Mexa-se pela sua Saúde”.
A prática de exercício físico aumenta a concentração do colesterol HDL (colesterol “bom”) e diminui os níveis do colesterol LDL (colesterol “mau”).
- Cessação dos hábitos tabágicos - O tabagismo acelera a formação de placas ateroscleróticas e reduz os níveis de colesterol HDL (colesterol “bom”). A abstinência tabágica é aconselhada e recomendada.
- Reduzir o peso corporal excessivo (objetivo: Índice de Massa Corporal entre 20-25 kg/m2; perímetro da cintura < 94 cm nos homens e < 80 cm nas mulheres). Mesmo uma redução modesta do peso de 5 a 10% já permite ganhos em saúde.
Se estas medidas não diminuírem o colesterol para os níveis adequados, mantê-las promove a melhoria da saúde no geral e a redução do risco cardiovascular inicial.
O segundo passo são os medicamentos. A decisão de iniciar este tratamento é ponderada caso a caso pelo médico e tem em conta o valor do colesterol, o risco cardiovascular global do doente e a presença de doença cardiovascular aterosclerótica. Poderá em alguns casos ser necessário mais do que um medicamento para o tratamento da hipercolesterolemia. Os principais medicamentos utilizados são:
- Estatinas
As estatinas (existem 6 em Portugal) reduzem a produção de colesterol pelo fígado. Esta classe de medicamentos tem sido bastante estudada e foi comprovado a sua eficácia na diminuição dos níveis de colesterol LDL (colesterol “mau”), reduzindo também os eventos cardiovasculares.
Na maioria dos casos, as estatinas são bem toleradas, no entanto, tal como qualquer medicamento existem efeitos secundários associados. Os mais comuns são os sintomas musculares (descrita em 5-15% dos doentes), não sendo em todos os casos uma contraindicação ao uso de estatinas. Se ocorrer estes sintomas é importante informar e seguir as recomendações do seu médico.
- Inibidores da absorção do colesterol
Os inibidores da absorção do colesterol (em Portugal o principal é a ezetimiba) bloqueiam a absorção a nível intestinal do colesterol, sem interferir com a absorção de nutrientes e vitaminas, permitindo diminuir o colesterol LDL. É um medicamento usualmente associado à estatina, quando os objetivos terapêuticos não são atingidos. Geralmente é bem tolerado e os efeitos secundários comuns incluem dor abdominal e diarreia.
Outros medicamentos que podem ser utilizados:
- Fibratos;
- Ácidos gordos n-3;
- Sequestradores de ácidos biliares;
- Inibidores da pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (iPCSK9);
- Lomitapida (indicação no tratamento da Hipercolesterolemia familiar).
Este conteúdo tem apenas caráter informativo e não substitui as recomendações do seu médico. Se necessitar de informações adicionais, consulte sempre o seu médico ou profissional de saúde.
Links úteis:
- https://www.sns.gov.pt/cidadao/
- https://www.dgs.pt/home.aspx?cpp=1
- https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/
- https://www.infarmed.pt/web/infarmed/cidadaos
Fontes bibliográficas:
1. G. Gardner D, Shoback D. Greenspan's Basic & Clinical Endocrinology. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2018.
2. Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde (DGS). Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares. Lisboa: DGS; 2017.
3. Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde (DGS). Prescrição de Exames Laboratoriais para Avaliação de Dislipidemias no Adulto. Norma nº 066/2011. Lisboa: DGS; 26 fevereiro 2015 (atualização).
4. Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde (DGS). Abordagem Terapêutica das Dislipidemias no Adulto. Norma nº 019/2011. Lisboa: DGS; 11 maio 2017 (atualização).
5. Mach F, Baigent C, Catapano A, Koskinas K, Casula M, Badimon L et al. 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk. European Heart Journal. 2019;41(1):111-188.
6. de Moura J, Couto L. Abordagem das Dislipidemias à luz das Guidelines da ESC/EAS 2019. Sociedade Portuguesa de Aterosclerose [Internet]. 2020 [acesso 16 julho 2021]. Disponível em: https://spaterosclerose.org/images/pdf/AFSPA_eca31.PDF
7. Almeida J, Esteves A, Martins F, Palma I. Abordagem aos Doentes com Intolerância às Estatinas: Revisão Baseada na Evidência. Acta Médica Portuguesa. 2020;33(1):49.
8. S Rosenson, R. Patient education: High cholesterol and lipids (Beyond the Basics) - UpToDate [Internet]. Uptodate.com. 2021 [acesso 23 Julho 2021]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/high-cholesterol-and-lipids-beyond-the-basics
9. S Rosenson R, P Cannon C. Patient education: High cholesterol and lipid treatment options (Beyond the Basics) - UpToDate [Internet]. Uptodate.com. 2021 [acesso 23 Julho 2021]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/high-cholesterol-and-lipid-treatment-options-beyond-the-basics