Definição, etiologia e implicações clínicas
Os triglicéridos (TG) são lípidos (gorduras) compostos por três moléculas de ácidos gordos (AG) acopladas a uma molécula de glicerol. Podem ter origem exógena (através da dieta) ou endógena (síntese hepática). Constituem-se como uma fonte de energia, sendo o excesso armazenado no tecido adiposo.
Os lípidos não são solúveis no plasma sanguíneo, pelo que o transporte destes nutrientes é assegurado pelas lipoproteínas (quilomícrons, VLDL, IDL, LDL, HDL).
No intestino, os AG absorvidos são utilizados para sintetizar TG, que são acoplados a apolipoproteínas originando quilomícrons. No fígado, os AG disponíveis (provenientes de lipoproteínas ou sintetizados a partir da glicose - lipogénese de novo) originam TG que vão integrar as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) que entram em circulação.
Assim, os TG circulam no sangue incorporados nos quilomícrons e nas VLDL, sendo transportados até às células musculares para serem usados como fonte energética ou para o tecido adiposo para constituírem reservas energéticas a utilizar quando necessário.
Considera-se que existe hipertrigliceridemia (HTG) quando os níveis séricos de TG em jejum são iguais ou superiores a 150 mg/dL.
Relativamente à etiologia da HTG, pode ser classificada como primária ou secundária.
A HTG primária é atribuível a causa genética, existindo uma história familiar de dislipidemia.
A HTG secundária resulta primordialmente de uma alimentação desequilibrada com aporte calórico excessivo, rica em hidratos de carbono simples e gorduras saturadas, sedentarismo, gravidez, alcoolismo, doenças (síndrome metabólico, obesidade, diabetes mellitus, hipotiroidismo, doença renal, doença hepática, lúpus eritematoso sistémico) ou fármacos. Os fármacos que podem condicionar HTG incluem corticoides, diuréticos tiazídicos, beta-bloqueantes não seletivos, estrogénios, antipsicóticos de 2ª geração, antirretrovirais da classe inibidores de protease (tratamento VIH) e alguns imunossupressores (ciclosporina, sirolimus).
A HTG pode contribuir para o desenvolvimento de doença cardiovascular (DCV) aterosclerótica (enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral); para níveis de TG muito elevados existe associadamente o risco de pancreatite aguda.
Diagnóstico e avaliação inicial
O doseamento de TG séricos implica a quantificação dos TG acoplados aos quilomícrons e às VLDL. Os valores de TG pós-prandiais, ao incluírem os quilomícrons, serão superiores aos valores em jejum (12 H). Os TG são mais elevados em idades mais avançadas e no sexo masculino.
Uma classificação possível categoriza os níveis de TG em jejum como normais (< 150 mg/dL), limítrofes-elevados (150-199 mg/dL), elevados (200-499 mg/dL) e muito elevados (≥ 500 mg/dL).
Os TG são habitualmente doseados em conjunto com outros parâmetros lipídicos (colesterol total, HDL [C-HDL], LDL [C-LDL], apolipoproteína B). Para exclusão de causas secundárias e avaliação de outros fatores de risco CV, será útil associar na mesma colheita o doseamento da glicemia plasmática em jejum, HbA1c, função hepática, renal e tiroideia.
Para determinar o risco CV global, são pesquisados fatores de risco: idade, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, hábitos tabágicos, obesidade, perímetro abdominal (obesidade abdominal), antecedentes familiares de DCV aterosclerótica prematura e insuficiência renal crónica.
Com base na presença (e gravidade) dos fatores de risco e de DCV aterosclerótica prévia, é estabelecida a categoria de risco cardiovascular para cada indivíduo (baixo-moderado-elevado-muito elevado). Os objetivos para os níveis de colesterol LDL variam em função da categoria de risco; é recomendável que os valores de TG em jejum sejam inferiores a 150 mg/dL.
Terapêutica
Caso a HTG seja secundária a uma outra doença, é necessário controlar essa patologia e reavaliar o perfil lipídico posteriormente. Na eventualidade de estar sob fármacos que possam contribuir para HTG, o seu médico assistente avaliará o risco-benefício da manutenção ou substituição da terapêutica. Não suspenda a toma de fármacos sem consultar antecipadamente um médico.
Modificações do estilo de vida
Se tem excesso de peso ou obesidade, é aconselhável que perca peso e atinja um perímetro abdominal adequado, através da conjugação de restrição calórica e aumento da atividade física.
Relativamente aos hidratos de carbono, deve reduzir a quantidade total diariamente ingerida e privilegiar a ingestão de hidratos de carbono complexos, ricos em fibra e com baixo índice glicémico (ex.: cereais integrais, leguminosas). O índice glicémico traduz a rapidez e magnitude da elevação da glicemia após a ingestão de uma porção de alimento que contenha 50g de hidratos de carbono.
Deve evitar a ingestão de hidratos de carbono simples (ex.: sacarose, frutose), com elevado índice glicémico, que são rapidamente digeridos, absorvidos e posteriormente convertidos em AG. É aconselhável que elimine o consumo de néctares, sumos, refrigerantes açucarados, bolos, gelados, chocolate, mel, açúcar. Não deve abusar da ingestão de fruta.
O aporte de fibras pode ser aumentado através do consumo de produtos hortícolas.
A gordura saturada (presente na carne com gordura, produtos de charcutaria, óleo de palma, óleo de coco, manteiga, natas, queijo, leite e iogurtes gordos) deve ser substituída por mono (azeite) e polinsaturada (óleo de girassol, de amendoim, de milho, soja). Opte por lacticínios com baixo teor de gordura e sem açúcar adicionado.
Aumente o consumo de peixe em detrimento da carne, particularmente dos peixes gordos (salmão, sardinha, cavala, atum, arenque) que, por serem ricos em ácidos gordos ómega 3, diminuem os níveis de TG e aumentam os de C-HDL. Quando ingerir carne, opte por carnes magras (aves, coelho), retirando a pele e gorduras visíveis.
Deve optar preferencialmente por grelhados ou cozidos. Os assados e estufados devem ser consumidos com moderação. O recurso à fritura como método de confeção é de evitar.
O álcool estimula a síntese de AG a nível hepático e a secreção de VLDL, promovendo a elevação dos TG. Por esse motivo, evite a ingestão de bebidas alcoólicas.
Terapêutica farmacológica
Quando a HTG é grave e/ou as modificações do estilo de vida não normalizam os níveis de TG, pode ser necessário associar fármacos.
Nos doentes com HTG e elevado risco CV, o objetivo é prevenir a DCV e o alvo terapêutico primário é o C-LDL, sendo a 1ª opção terapêutica uma estatina. Se após atingir o alvo de C-LDL, os níveis de TG se mantêm acima dos 200 mg/dL, deve equacionar-se a associação de fibrato ou de ácidos gordos polinsaturados ómega-3 à terapêutica prévia.
Se os níveis de TG são muito elevados (>500 mg/dL), o objetivo é prevenir a pancreatite aguda, associando às medidas dietéticas terapêutica com um fibrato ou ácidos gordos polinsaturados ómega-3.
Tenha em consideração que, mesmo após a introdução de fármacos, as modificações do estilo de vida devem ser mantidas.