Tiróide e gravidez
A glândula tiróide é um órgão endócrino localizado na região anterior do pescoço, cuja função é a produção de hormonas tiroideias (HT). As HT são essenciais para múltiplas funções do organismo, tendo um papel particularmente relevante no metabolismo. No que toca à gravidez, estas são fundamentais no desenvolvimento do sistema nervoso fetal.
As alterações fisiológicas associadas à gravidez incluem um aumento de cerca de 50% na produção das HT. Nas primeiras 18-20 semanas de gestação o feto depende totalmente da produção materna de HT. A partir das 20 semanas de gestação a tiróide do feto começa a produzir as suas próprias HT, embora dependa da ingestão materna de iodo para a sua produção. A deficiência em iodo é conhecida e é a regra nas grávidas em Portugal. As recomendações para suplementação com iodo em Portugal são concordantes com as da Organização Mundial de Saúde que recomenda a suplementação das mulheres grávidas com 250 microgramas de iodo por dia. Os suplementos de iodo devem ser iniciados preferencialmente desde a pré-concepção. Por outro lado, existem excepções à regra como por exemplo as grávidas com história de determinado tipo de carcinoma da tiróide não devem ser suplementadas com iodo. A decisão de iniciar iodo em grávidas com patologia tiroideia conhecida deve ponderada caso a caso em consulta especializada.
É normal que haja uma variação dos valores das HT durante a gravidez. Esta variação deve-se, pelo menos em parte, ao aumento da concentração de duas hormonas:
- Gonadotrofina coriónica humana (hCG): o seu aumento estimula a função da tiróide, causando consequentemente uma diminuição da hormona estimulante da tiróide (TSH), típica do primeiro trimestre, e que tende a aumentar com o decorrer da gravidez.
- Estrogénio: aumenta as proteínas de ligação às HT, aumentando o nível total destas hormonas mas não a sua fração livre (ou seja, biologicamente ativa).
Hipotiroidismo na gravidez
As doenças autoimunes da tiróide e o hipotiroidismo são comuns nas mulheres em idade fértil. Nestas mulheres, a etiologia mais comum de hipotiroidismo é a tiroidite linfocítica crónica auto-imune (Tiroidite de Hashimoto). A presença de anticorpos anti-tiroideus aumenta o risco de desenvolver hipotiroidismo na gravidez. Em particular, em áreas com défice de iodo, a gravidez pode despoletar o surgimento de hipotiroidismo, pelo que a incidência da doença é maior nesta população.
Define-se como hipotiroidismo a presença de um doseamento de TSH acima do limite de referência. A interpretação destes valores na gravidez é complexa e depende em grande parte da avaliação clínica. Idealmente, deverão existir valores de referência específicos para cada trimestre da gravidez e para cada população específica.
Quais os riscos do hipotiroidismo na gravidez?
Na gravidez, o hipotiroidismo não tratado ou tratado de forma inadequada associa-se a um aumento do risco de várias situações patológicas, entre as quais:
Para a mãe |
Para o feto |
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Abortamento |
Anomalias neurológicas |
Anemia |
Anomalias do desenvolvimento |
Miopatia (dores musculares e fraqueza) |
Baixo peso ao nascimento |
Insuficiência cardíaca |
Prematuridade |
Pré-eclâmpsia |
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Anomalias da placenta |
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Hemorragias pós-parto |
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Diabetes Gestacional |
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Tratamento
O tratamento do hipotiroidismo na mulher grávida é semelhante ao da mulher não grávida, exceto no que toca às necessidades de HT que, geralmente, são superiores na gravidez em cerca de 25 a 50%. O tratamento deve ser realizado com levotiroxina oral (LT4), não estando recomendadas outras formulações. A toma do fármaco deve ser realizada em jejum, 30 a 60 minutos antes da ingestão de alimentos ou outras medicações. De notar que a toma de compostos ferrosos (que são essenciais em determinadas mulheres grávidas) diminui a absorção gastrointestinal de LT4, pelo que a ingestão destas duas substâncias deve ser feita pelo menos com 2 a 4 horas de intervalo.
No caso das mulheres com hipotiroidismo prévio à gravidez, já tratadas com LT4, aconselha-se avaliar a função tiroideia assim que se confirma a gravidez bem como um ajuste imediato da dose do fármaco. No caso das mulheres com diagnóstico de hipotiroidismo durante a gravidez, a dose inicial deverá ser superior à dose inicial das mulheres não grávidas, para que haja uma normalização mais rápida dos níveis de HT.
Nestas mulheres, a função tiroideia deverá ser avaliada periodicamente. Geralmente, durante a primeira metade da gravidez, aconselha-se que esta avaliação seja feita a cada 4 semanas, para eventuais ajustes de dose de LT4.
Quais as mulheres com maior risco de desenvolver hipotiroidismo na gravidez? Quem deve ser rastreado?
O risco de hipotiroidismo aumenta em determinados grupos, entre os quais mulheres com aumento da glândula tiróide (bócio), a fazer terapêutica com anti-tiroideus ou com antecedentes pessoais ou familiares de doença tiroideia.
Assim, recomenda-se o doseamento de TSH mal se confirme a gravidez nas seguintes mulheres:
- Idade superior a 30 anos;
- História pessoal ou familiar de doença da tiróide;
- História pessoal de doenças autoimunes (como diabetes do tipo 1);
- História pessoal de abortamento, parto pré-termo ou infertilidade;
- História pessoal de irradiação da cabeça e do pescoço;
- Medicação prévia com iodo;
- Residência em áreas com deficiência moderada a grave de iodo.
E após o parto como devo proceder?
Após o parto as necessidades de LT4 voltam às necessidades basais. No caso das mulheres com hipotiroidismo diagnosticado antes gravidez, recomenda-se retomar a dose prévia à gravidez. Nas mulheres com hipotiroidismo diagnosticado durante a gravidez, na maioria dos casos, a terapêutica poderá ser suspensa.
A reavaliação analítica deverá ser realizada em 6 a 8 semanas após o parto e a orientação a partir daqui passa a ser igual à da população em geral, excetuando nos casos em que se planeie uma nova gravidez.
mensagens-chave:
- As doenças auto-imunes da tiróide e o hipotiroidismo são comuns nas mulheres em idade fértil.
- Uma grande percentagem de grávidas tem indicação para rastreio de hipotiroidismo.
- Numa mulher saudável, sem história de patologia da tiróide, não é necessário nem desejável esperar por doseamentos de função tiroideia antes de iniciar suplementação com iodo já que a deficiência de iodo é a regra em Portugal.
Referências
- Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, et al; 2016 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease during Pregnancy and the Postpartum. Thyroid 2017.
- Marques AP, Santos AP, Oliveira MJ. Hipotiroidismo e Gravidez. Acta Médica Portuguesa 2003; 16: 332-333.
- Garrão A, Matos AC, Menezes J, et al. 2018. Livro de Endocrinologia e Gravidez. Grupo de estudos de Endocrinologia e Gravidez. Porto.
- E Limbert 1 , S Prazeres, M São Pedro, D Madureira, A Miranda, M Ribeiro, J Jacome de Castro, F Carrilho, M J Oliveira, H Reguengo, F Borges; Thyroid Study Group of the Portuguese Endocrine Society. Iodine intake in Portuguese pregnant women: results of a countrywide study. Eur J Endocrinol. 2010 Oct;163(4):631-5.