Glândulas e doenças Endócrinas

Medicina anti-aging

Abuso de terapêuticas hormonais e de medições laboratoriais de níveis de hormonas no âmbito da chamada “Medicina Anti-Aging”.

O envelhecimento é um fenómeno natural em que existe um declínio progressivo das capacidades de vários sistemas ou órgãos. Este declínio pode estar associado a diminuição da qualidade de vida, pelo que a Medicina sempre tentou reduzir as suas consequências, com o objetivo final de preservar a saúde e a funcionalidade.

Em última análise, toda a medicina procura combater as doenças relacionadas com o envelhecimento dos vários órgãos e sistemas, e não existe nenhuma especialidade médica reconhecida em países desenvolvidos denominada medicina anti-envelhecimento ou “anti-aging”.

O sistema endócrino, é responsável pela produção de hormonas que regulam múltiplas funções no corpo humano, e também sofre alterações com o avançar da idade. Os níveis das hormonas sexuais (estrogénios na mulher, testosterona no homem), das hormonas da tiroide ou da hormona do crescimento, entre outras, variam em função da idade. O exemplo mais evidente é a redução das hormonas sexuais que ocorre na menopausa. Em muitos casos esta variação dos níveis hormonais representa uma adaptação a um novo contexto funcional, tendo-se verificado um melhor estado de saúde e até longevidade em pessoas idosas com níveis hormonais característicos da sua idade cronológica, do que em pessoas idosas com níveis hormonais característicos de pessoas mais jovens.

Recentemente temos assistido à proliferação de terapêuticas não aprovadas para tratar problemas relacionados com o envelhecimento. A falta de aprovação resulta de não ter sido demonstrada eficácia e/ou colocarem em risco a saúde. Estas terapêuticas são vulgarmente designadas por “alternativas” ou “não-convencionais” e são utilizadas no contexto da chamada “Medicina anti-envelhecimento” ou “Anti-aging”. São também utilizados os termos “Modulação hormonal” ou “Hormonas bioidênticas” para designar a administração de substâncias com efeitos no sistema endócrino, as quais nem sempre são controladas pelas entidades reguladoras do medicamento ou são utilizadas fora das indicações correctas. Os  promotores destes termos mediáticos incluem não só profissionais das ditas medicinas alternativas ou sem formação reconhecida em saúde, mas também médicos sem formação específica e reconhecida na área da endocrinologia. Salienta-se que muitos destes agentes promovem a utilização destes compostos mesmo quando os níveis hormonais são adequados, ultrapassando a indicação geral de os utilizar quando os níveis hormonais são insuficientes. - Isto constituí uma utilização abusiva de hormonas.

De entre as hormonas mais utilizadas neste contexto, destacamos 2:

Estrogénios

Os estrogénios podem ser utilizados nas mulheres após a menopausa, naquilo que se designa por terapêutica hormonal de substituição na menopausa, para o tratamento dos sintomas vasomotores (afrontamentos, sensação de calor, rubor da pele) ou genitais (atrofia e secura vaginal). Apesar de poderem ter outros benefícios, nomeadamente no osso, os estrogénios estão associados a maior risco de cancro da mama e de trombo-embolismo (tromboses venosas, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral). Por este motivo, o tratamento com estrogénios após a menopausa deve ser cuidadosamente discutido entre médico e paciente. De uma forma geral, está desaconselhado em mulheres mais velhas.

 

Testosterona

A testosterona é a principal hormona sexual masculina. No homem, os seus níveis sofrem um normal declínio progressivo com o avançar da idade. Quando existe insuficiência desta hormona o tratamento está aprovado, observando-se uma melhoria não só na função sexual como também na saúde óssea e muscular. A suplementação com testosterona em homens mais velhos que tenham valores desta hormona considerados normais nesta faixa etária não trouxe benefícios significativos. Para além disso, o tratamento com testosterona está associado a um aumento de volume da próstata, à promoção do crescimento do cancro da próstata e ao aumento dos glóbulos vermelhos no sangue, o que pode originar tromboses. Uma vez que os riscos ultrapassam em muito os benefícios, o tratamento com testosterona como alegado intuito de prevenir o envelhecimento não está aprovado.

Ainda no contexto da denominada “medicina anti-aging” é frequente serem solicitados estudos laboratoriais extensos e complexos, com doseamentos de múltiplas hormonas, independentemente das queixas manifestadas pelo utente. Este género de “check up” hormonal acrítico é geralmente dispendioso, inútil e até contraproducente. Os doseamentos hormonais laboratoriais devem ser criteriosamente solicitados de acordo com os sinais e sintomas e/ou factores de risco para disfunção hormonal de cada indivíduo.

Após o exposto, a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo (SPEDM) defende que sejam cumpridas as seguintes recomendações:

  • Alguns défices, perdas de funcionalidade e doenças crónicas relacionadas com o envelhecimento, podem ser prevenidos ou minorados pela adoção de medidas de estilo de vida saudável desde idades precoces; Exemplo: evitar excessos alimentares, tabaco, álcool, etc.
  • Desaconselha-se a determinação laboratorial da concentração de hormonas sem uma razão clínica fundamentada (um género de “check-up” hormonal múltiplo), em pessoas sem queixas sugestivas de desequilíbrios hormonais ou factores de risco para tal, pois esta prática é dispendiosa e geralmente inútil ou contraproducente.
  • Qualquer tratamento hormonal substitutivo deve ser precedido de uma avaliação por médicos com formação e experiência na área da Endocrinologia, pois a interpretação dos parâmetros hormonais de cada indivíduo é frequentemente complexa, e os tratamentos exigem monitorização adequada.
  • Os tratamentos hormonais de substituição estão indicados em situações de substituição de défices hormonais comprovados, mas devem ser considerados os efeitos adversos do seu uso ou monitorização desadequados.
  • O uso de tratamentos hormonais fora do âmbito substitutivo não revelou, até ao momento, que os benefícios pretendidos sejam superiores aos riscos. Assim, não se recomenda o seu uso fora das situações de défices hormonais.
  • A designação de hormona “Bio-idêntica” e a expressão “Modulação Hormonal” são conceitos vagos e publicitários, e as suas alegadas vantagens não têm suporte científico robusto. A utilização das formulações ditas “Bio-idênticas” tem pelo menos os mesmos riscos da utilização desadequada dos tratamentos hormonais ditos convencionais, muitos deles também de origem natural.
  • Desaconselha-se o uso de tratamentos hormonais com intuitos meramente estéticos ou para alegado alívio de sintomas inespecíficos, sem um diagnóstico concreto, ou fora do âmbito das indicações terapêuticas habitualmente recomendadas.

 

Maxwell J. Mehlman, JD, Robert H. Binstock, et al. Anti-Aging Medicine: Can Consumers Be Better Protected? The Gerontologist 2004 June. Volume 44, Issue 3, Pages 304–310.

Perls, T. Anti-aging quackery: Human growth hormone and tricks of the trade - more dangerous than ever. Journal of Gerontology 2004. 59A: 682–691.

Spindler, M., Streubel, C. The Media and Anti-Aging Medicine: Witch-Hunt, Uncritical Reporting or Fourth Estate? Medicine Studies  2009. 1, 229.