Glândulas e doenças Endócrinas

Monitorização da Glicose Intersticial

INTRODUÇÃO

A medição do valor da glicose é fundamental na gestão da diabetes, pois permite tomar decisões terapêuticas que ajudam a obter melhor controlo metabólico, com consequente redução das complicações da doença.  

Classicamente, a medição do valor da glicose é realizada através da avaliação da glicemia capilar, a chamada “picada no dedo”, que indica o valor de açúcar no sangue naquele momento. No entanto, nos últimos anos têm surgido novas tecnologias que permitem uma monitorização da glicose intersticial, mais prática e menos dolorosa.

 

O QUE É A MONITORIZAÇÃO DA GLICOSE INTERSTICIAL?

Os sistemas de monitorização da glicose intersticial são tecnologias que avaliam automaticamente, de forma contínua (24 horas por dia), o valor da glicose no líquido intersticial, que é o líquido que banha as células abaixo da pele. O valor da glicose intersticial é uma medida indireta do valor da glicose no sangue (glicemia). 

Permitem ao utilizador saber o valor da sua glicose a qualquer momento do dia, sem necessidade de picar o dedo, e fornecem a tendência da evolução da glicose nos próximos minutos. 

As avaliações são realizadas através de um pequeno sensor que é introduzido debaixo da pele e que dura vários dias.

 

COMO FUNCIONAM OS SISTEMAS DE MONITORIZAÇÃO DA GLICOSE INTERSTICIAL?

Os sistemas de monitorização da glicose intersticial avaliam a glicose no líquido intersticial através de um sensor colocado na pele. (Fig. 1). 

Os valores da glicose intersticial obtidos pelo sensor podem ser diferentes do valor da glicemia capilar, uma vez que existe algum atraso entre eles. Esta diferença é mais acentuada quando os valores de glicose oscilam mais rapidamente e quando são muito baixos (hipoglicemia) ou muito altos (hiperglicemia).

  

QUE TIPOS DE SISTEMAS EXISTEM?

Existem dois tipos de sistemas: 

  1. Sistemas de monitorização contínua da glicose em tempo real: são sistemas que avaliam de forma contínua a glicose intersticial e enviam a informação em tempo real para um monitor (telemóvel, relógio, bomba infusora de insulina). O utilizador pode ver a sua glicose a qualquer momento nesse monitor, mas também é possível enviar os dados em tempo real para o telemóvel de cuidadores/familiares. Permitem a definição de alarmes de hipoglicemia e de hiperglicemia e necessitam de calibração com glicemia capilar 1-2 vezes por dia. A monitorização contínua da glicose em tempo real pode estar acoplada a uma bomba infusora de insulina, constituindo os sistemas integrados ou “Pâncreas artificial” (para saber mais sobre este tema, por favor, consulte a secção “Os sistemas Integrados ou Pâncreas Artificial”). 
  2. Sistemas de monitorização intermitente da glicose: são sistemas que avaliam de forma contínua a glicose intersticial, mas não enviam a informação automaticamente. Para saber o valor da glicose, o utilizador tem de aproximar o leitor do sensor. A informação é guardada no sensor durante 8 horas, pelo que se não for realizada nenhuma leitura durante mais de 8h, a informação é perdida. Não necessitam de calibração. Sistemas mais modernos já permitem a definição de alarmes de hipo e hiperglicemia.

 

QUAIS AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA MONITORIZAÇÃO DA GLICOSE INTERSTICIAL?

As suas principais vantagens são: 

  • Método de avaliação da glicose mais prático e menos doloroso;
  • Número ilimitado de medições por sensor;
  • Possibilidade de definir alarmes de hipo e hiperglicemia (em alguns sistemas);
  • Em cada leitura, além dos valores da glicose, o leitor apresenta setas que indicam a tendência da glicose nos próximos minutos e a velocidade da sua variação (Tabela 1). Esta informação pode ser muito útil na prevenção de hipo e hiperglicemias, pois permite antecipar o que vai acontecer
  • Maior quantidade de dados e avaliações contínuas da glicose, que permitem a construção de gráficos (Fig. 2), em vez dos valores isolados fornecidos pela avaliação da glicemia capilar;
  • Possibilidade de criar (e partilhar com o médico) relatórios com informações muito relevantes que permitem:
    • Deteção de padrões na variação da glicose (por exemplo, perceber a que horas do dia há maior risco de hipoglicemia ou se a quantidade de insulina administrada antes da refeição foi adequada); 
    • Avaliar o controlo glicémico com novas métricas como a percentagem de tempo no alvo, percentagem de tempo acima e abaixo do alvo, glicose média e sua variabilidade
  • Proporciona uma melhor qualidade de vida e contribui para melhorar o controlo glicémico. 

 

 As suas principais desvantagens são: 

  • O valor da glicose intersticial não é exatamente igual ao valor da glicemia capilar e apresenta um atraso de 5 a 10 minutos;
  • Necessidade de confirmar valores extremos (menor que 70mg/dl ou maior que 250mg/dl) com glicemia capilar; 
  • Problemas relacionados com o sensor: alergia ao adesivo, possibilidade de descolamento;
  • Preço (especialmente dos sistemas que ainda não se encontram comparticipados). 

 

COMO POSSO AVALIAR O MEU CONTROLO GLICÉMICO UTILIZANDO ESTA TECNOLOGIA?

Tradicionalmente, a hemoglobina glicosilada (HbA1c), que reflete a média da glicemia nos últimos 3 meses, era utilizada para avaliar o controlo glicémico. Valores mais baixos de HbA1c associam-se a menos complicações crónicas da diabetes. No entanto, uma vez que se trata de uma média, a HbA1c não reflete a variação da glicose ao longo do dia (Fig. 3). 

Com o desenvolvimento e utilização de sistemas de monitorização da glicose intersticial, desenvolveram-se novas métricas e parâmetros para avaliar o controlo glicémico:

  • Tempo no alvo: estes sistemas permitem a definição de um intervalo da glicose, individualizável (o mais frequente de 70-180mg/dl), dentro do qual os valores da glicose são considerados aceitáveis. O sistema indica a percentagem de tempo em que a glicose esteve dentro desse intervalo alvo (idealmente, mais de 70%);
  • Tempo acima do alvo: percentagem de tempo em que a glicose esteve acima do alvo definido (idealmente, menos de 25%);
  • Tempo abaixo do alvo: percentagem de tempo em que a glicose esteve abaixo do alvo definido (idealmente, menos de 5%);
  • Glicose média: o sistema calcula uma média do valor da glicose num determinado período de tempo personalizável; 
  • Indicador de gestão da glicose (GMI): estimativa do valor de HbA1c feita pelo sistema, com base nos valores de glicose;
  • Variabilidade da glicose:  apresentado como uma percentagem do coeficiente de variação, indica o grau de variação da glicose (idealmente, deve ser menor que 36%). 

 

QUEM MAIS BENEFICIA COM ESTA TECNOLOGIA? 

Idealmente, todos os doentes com diabetes poderão beneficiar da monitorização da glicose intersticial. No entanto, enquanto esta tecnologia não for de acesso universal, os doentes que mais beneficiam são aqueles que estão sob esquemas intensivos de insulinoterapia (insulina basal e insulina de ação rápida antes das refeições). São também muito úteis em doentes que já não têm sensibilidade para as hipoglicemias (já não têm sintomas típicos de hipoglicemia) e em doentes com muita variabilidade glicémica, uma vez que ajudam a perceber padrões e otimizar o tratamento.

 

fig1_intersticial 

Figura 1 - Esquema ilustrativo do funcionamento do sensor de CGM. 

TRADUÇÃO: Skin- pele; Glucose Sensor - sensor da glicose; Interstitial Fluid - líquido intersticial; Cell - célula; Glucose - glicose (açúcar no sangue); Blood Vessel - vaso sanguíneo; Transmitter – transmissor.
Imagem retirada de: https://www.nbdiabetes.org/file/1014 

 

fig2_intersticial 

Figura 2 - Esquema ilustrativo da representação gráfica dos valores de glicose avaliados ao longo do dia com um sistema de CGM.

 

 

fig3_intersticial 

Figura 3 - Representação de dois dias diferentes no CGM.
Apesar da média poder ser igual (o que se reflete numa HbA1c semelhante), a variação da glicemia foi muito diferente. À esquerda, o doente passou todo o dia dentro do seu alvo, ao contrário do doente da direita, que teve períodos de hiperglicemia e um período de hipoglicemia. Embora com média iguais, o doente da esquerda apresenta melhor controlo. 

 

 

Tabela 1 - Interpretação das setas de tendência 
Adaptado de: https://www.freestylediabetes.pt/docs/TabelasSetaTendencia.pdf

Setas de tendência

 

 


 


 

 


 


 

 


 


 

 


 


 

Glicose a descer rapidamente

(mais de 2mg/dL/min)

Glicose a descer

(entre 1 e 2 mg/dL/min)

Glicose estável

(variação <1mg/dL/min)

Glicose a subir

(entre 1 e 2 mg/dL/min)

Glicose a subir rapidamente

(mais de 2mg/dL/min)

Descida >60mg/dL após 30 min

-30 a 60mg/dL após 30 min

Variações < 30mg/dL após 30 min

+30 a 60mg/dL após 30 min

Subida >60mg/dL após 30 min

 

 

mensagens-chave:

  • Os sistemas de monitorização da glicose intersticial avaliam o valor da glicose no líquido intersticial, que é o líquido existente entre as células, ao longo de todo o dia.
  • O valor da glicose intersticial é uma medida indireta do valor da glicose no sangue (glicemia). 
  • Os sistemas de monitorização da glicose intersticial indicam o valor da glicose naquele momento e preveem a sua evolução nos minutos seguintes.
  • Os sistemas de monitorização da glicose intersticial permitem realizar mais avaliações da glicose, de forma prática e indolor, o que contribui para alcançar um melhor controlo glicémico. 
  • Os sistemas de monitorização da glicose intersticial permitem avaliar o controlo da glicémico com novas métricas, mais informativas e interessantes (tempo no alvo, tempo acima e abaixo do alvo, glicose média, variabilidade glicémica). 
  • Os sistemas de monitorização da glicose intersticial permitem criar e partilhar relatórios muito informativos com o médico assistente.
  • Existem dois tipos de sistemas de monitorização da glicose intersticial: monitorização contínua em tempo real e monitorização intermitente.
Documentos anexos