A neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN1) é uma condição rara, de causa genética, devida a uma mutação no gene MEN1, que codifica a proteína menina. A alteração deste gene supressor tumoral conduz ao desenvolvimento de vários tumores. O termo “múltipla”, deve-se ao facto destes tumores serem vários num mesmo órgão ou de surgirem em diferentes órgãos.
A maioria dos indivíduos desenvolve tumores na hipófise, nas glândulas paratiróides e no pâncreas, embora outros órgãos possam ser afectados. São na maioria benignos, no entanto, os pancreátios podem ser malignos e são a principal causa de morte. Aparecem mais cedo nos indivíduos afectados, comparando com os que aparecem nas populações que não tem a mutação.
Esta doença genética é autossómica dominante. Ou seja, passa de geração em geração e basta receber um gene mutado (do pai ou da mãe) para que se manifeste. Numa família, cerca de 50% dos indivíduos vão estar afectados.
O tratamento é desafiante e a cura difícil. Exige várias cirurgias ao longo da vida e, por vezes, o uso de medicamentos, porque os tumores têm elevado risco de recidiva (podem voltar a manifestar-se).
Quando se suspeita desta patologia (por exemplo, em caso de vários tumores nas paratiróides antes dos 30 anos ou das ilhotas do pâncreas em qualquer idade), é necessário pesquisar a mutação no indivíduo afectado e promover o aconselhamento genético dos familiares. Assim, identificam-se os elementos com a mutação e pesquisam-se as alterações através da história clínica, análises e exames de imagem, para que se possam diagnosticar e tratar precocemente. A idade mínima para a realização de estudo genético é controversa, mas os tumores malignos são raros até aos 18 anos. Como o gene é muito grande, por vezes não se consegue detectar a mutação responsável. Se o indivíduo é suspeito de ser portador, deverá manter seguimento clínico adequado.
A avaliação inclui doseamento de cálcio no sangue, níveis de hormona paratiróide, prolactina, gastrina, glicose, insulina e provas de rastreio para perceber se existe ou não excesso de cortisol. Pode ser necessário dosear VIP e cromogranina (marcador de tumores neuroendócrinos). Exames de imagem do pâncreas e da hipófise podem fazer-se a cada 5 anos.
Hiperparatiroidismo primário
O hiperparatiroidismo primário caracteriza-se por produção excessiva de hormona paratiroideia por proliferações anormais de células nas glândulas paratiróides – habitualmente em mais do que 1 entre as 4 (hiperplasia, isto é, aumento do número de células da glândula, de forma não organizada em nódulos). Está presente em 90 a 97% dos doentes e habitualmente é a primeira manifestação da síndrome, surgindo até aos 40 anos. Pode surgir como um nível elevado de cálcio no sangue, sem sintomas (formas assintomáticas) ou provocando osteoporose, fracturas ósseas, função renal alterada, sede excessiva e produção exagerada de urina, fraqueza muscular, arritmias cardíacas...
O tratamento envolve cirurgia (removem-se 3 glândulas e meia ou as 4 e coloca-se um enxerto de uma delas no antebraço não dominante) que permite a normalização dos níveis de cálcio, entre 70 a 100% dos doentes. No entanto, o problema volta em metade deles, até 10 anos pós a intervenção. Isto acontece porque a mutação permanece nas células. Assim, podem ser necessárias várias cirurgias ao longo da vida.
Tumores pancreáticos
O pâncreas pertence simultaneamente aos sistemas digestivo e endócrino. As células endócrinas, que produzem hormonas, organizam-se em aglomerados que são chamados de ilhotas.
Nos doentes com MEN1, a segunda manifestação mais frequente deriva da proliferação anormal de células das ilhotas pancreáticas – ocorre entre 75 e 81% dos indivíduos. Estas proliferações ocorrem em vários locais e podem produzir quantidades elevadas de várias hormonas. As mais frequentes são: gastrina (promove a secreção de ácido no estômago), insulina (baixa os níveis de glicose no sangue), glucagon (aumenta os níveis de glicose no sangue), somatostatina, VIP (peptídeo vasoactivo intestinal, com vários efeitos sobretudo intestinais) e ACTH (hormona adrenocorticotrófica, que promove a produção de cortisol nas glândulas supra-renais).
Os tumores pancreáticos podem ser malignos: 30 a 60% dos doentes desenvolvem metástases hepáticas ao longo da vida.
As manifestações clínicas dependem do tipo e da quantidade de hormona secretada:
- gastrinoma (tumor produtor de gastrina) – úlceras pépticas e diarreia crónica;
- insulinoma (tumor produtor de insulina) – hipoglicemia (níveis muito baixos de glicose no sangue);
- glucagonoma (tumor produtor de glucagon) – diabetes e lesões cutâneas que tomam o nome de eritema necrolítico migratório;
- VIPoma (tumor produtor de VIP) – diarreia, níveis elevados de cálcio no sangue e acidose metabólica (aumento da produção de ácidos pelo organismo).
O tratamento é desafiante e deve ser individualizado. Como habitualmente existem múltiplos tumores, a cirurgia nem sempre é possível; quando é, pode não resolver completamente a produção excessiva de hormonas. Nesses casos, o tratamento com medicamentos é a solução. Estes são escolhidos de acordo com o tipo de tumor, mas quase sempre envolvem análogos da somatostatina, administrados através de injecções subcutâneas ou intramusculares.
Nos casos em que existem metástases hepáticas, pode ser possível a embolização da artéria hepática, que lhe causa uma obstrução e assim provoca a destruição das lesões no fígado. Quando existem muitas metástases, pode ser necessária quimioterapia, como acontece com outros tumores malignos.
Adenomas hipofisários
A hipófise encontra-se afectada em 10 a 65% dos doentes com MEN1 e podem surgir vários focos de proliferações anormais de células. As manifestações clínicas variam de acordo com o tipo de hormona produzida:
- prolactinoma (tumor produtor de prolactina; o mais comum) – saída de líquido mamário semelhante a leite (galactorreia), disfunção eréctil no homem, irregularidades menstruais nas mulheres;
- tumor produtor de hormona do crescimento – acromegalia;
- tumor produtor de ACTH – doença de Cushing;
- tumores não produtores.
O tratamento também varia: nos prolactinomas usam-se medicamentos na maioria dos casos, que fazem diminuir o tumor; nos restantes, é necessária cirurgia e, se esta não resultar em cura, medicamentos; os não produtores podem não necessitar de tratamento.
Outros tumores
Existem outras alterações que podem surgir no MEN1: lipomas, angiofibromas, colagenomas, adenomas da tiróide, adenomas ou carcinomas das supra-renais, carcinóides (no timo, pulmão, estômago ou duodeno) e meningiomas.