Glândulas e doenças Endócrinas

Neoplasias neuroendócrinas pancreáticas

As neoplasias neuroendócrinas (NNE) constituem um grupo de tumores com origem em células neuroendócrinas, isto é, células que apresentam algumas características comuns às das células nervosas, e outras típicas das células endócrinas (com capacidade de produzir hormonas). Como acontece em todas as neoplasias, ocorrem quando uma das células sofre alterações que a tornam capaz de escapar aos mecanismos de controlo do organismo, começando a dividir-se de forma desregulada e originando uma NNE. Podem ser classificadas em tumores neuroendócrinos bem diferenciados (com comportamento mais indolente) e carcinomas neuroendócrinos pouco diferenciados (neoplasias agressivas), dependendo das características das suas células.

O pâncreas é um dos principais órgãos onde podem surgir estas NNE. As NNE do pâncreas são raras (incidência de 0,7 casos por 100.000 habitantes), embora com incidência e prevalência crescentes. A grande maioria destas neoplasias é esporádica, sendo que cerca de 17% dos casos podem estar associadas a síndromes genéticas, como a neoplasia endócrina múltipla do tipo 1, doença de Von Hippel-Lindau ou neurofibromatose tipo 1.

As NNE pancreáticas podem ser classificadas como funcionantes (10 a 30 % dos casos) quando se associam a sintomas relacionados com a produção desregulada de uma hormona (raramente, mais do que uma) pela neoplasia. Nas 70 a 90% restantes, tal não acontece e são designadas por NNE não funcionantes. Os sintomas causados por este tipo de patologias podem resultar do crescimento da neoplasia primária e/ou das suas metástases (nomeadamente dor abdominal, náuseas, vómitos e perda de peso) ou decorrer da produção hormonal (nos tumores funcionantes). As possíveis manifestações decorrentes desta hipersecreção hormonal dependem do tipo de hormona produzida, nomeadamente insulina (confusão, transpiração excessiva, tonturas, perda de consciência), gastrina (azia intensa, diarreia), peptídeo intestinal vasoativo (VIP) (diarreia aquosa, desidratação, diminuição dos níveis de potássio no sangue), glucagon (alterações cutâneas, perda de peso, diabetes mellitus, diarreia) e somatostatina (perda de peso, diarreia, diabetes mellitus). Os insulinomas são o tipo mais comum, seguidos em ordem decrescente de frequência, pelos gastrinomas, glucagonomas, VIPomas, somatostatinomas e outros tipos ainda mais raros.

As análises e os exames a pedir dependem do doente, dos sintomas, da localização e da extensão do tumor. São habitualmente solicitados doseamentos (mais frequentemente, sanguíneos) para avaliar vários marcadores tumorais. Para localizar adequadamente o tumor e avaliar o grau de atingimento do organismo podem ser necessários exames do foro endoscópico ou exames de imagem, como ecografia, tomografia axial computorizada (TAC), ressonância magnética e diferentes tipos de tomografia por emissão de positrões (PET). A caracterização histológica (estudo das características do tumor) é geralmente obtida por biópsia da lesão, sendo essencial para o diagnóstico.

Sendo as NNE heterogéneas, o seu tratamento deverá ser decidido, idealmente, em reuniões em que estejam presentes as várias especialidades médicas possivelmente envolvidas na sua orientação. Vários tratamentos estão disponíveis, como cirurgia, terapêutica farmacológica, tratamentos de medicina nuclear, técnicas ablativas por radiologia de intervenção ou radioterapia.

O tratamento cirúrgico é a primeira opção terapêutica se a doença for ressecável e pode ser curativo se for possível retirar todo o tumor. Excecionalmente, quando o risco da cirurgia é elevado e o estudo realizado revela tratar-se de um tumor pequeno, com uma baixa capacidade de proliferação e assintomático, poderá estar indicado vigiar apenas, enquanto o tumor se mantiver estável. Em situações de doença avançada, não curável cirurgicamente, estão disponíveis várias opções terapêuticas para controlar a doença e tratar os sintomas. 

Os análogos da somatostatina podem ser utilizados como opção terapêutica, já que imitam a somatostatina, uma das hormonas do nosso organismo que tem como função controlar a libertação de outras hormonas. Deste modo, diminuem a secreção de hormonas nos tumores funcionantes (melhorando os sintomas do doente) e permitem controlar o crescimento de NNE bem diferenciadas. Existem dois tipos de análogos de somatostatina mais utilizados para este efeito: a lanreotida e o octreoctido, habitualmente administrados através de injeção subcutânea ou intramuscular, respetivamente, a cada 28 dias.

A terapêutica com peptídeos radiomarcados é também uma modalidade de tratamento eficaz em algumas NNE bem diferenciadas do pâncreas. Neste tipo de tratamento, utiliza-se um radiofármaco constituído por um análogo da somatostatina ligado a um elemento radioativo. O radiofármaco dirige-se às células do tumor que apresentam recetores da somatostatina, libertando radiação com o intuito de as destruir. São habitualmente administrados 4 ciclos de tratamento, a cada 8 semanas.

As técnicas por radiologia de intervenção são geralmente utilizadas nos casos de metastização hepática. Podem ser ablativas, ou seja, levam à destruição do tumor através de energia libertada por uma agulha, como a ablação por radiofrequência; ou não ablativas, como a embolização, que origina necrose no tumor, por supressão da sua irrigação sanguínea.

Existem também terapêuticas alvo específicas, dirigidas contra elementos próprios do tumor (genes, proteínas ou vasos sanguíneos que alimentam o tumor) que podem igualmente ser utilizadas, impedindo o crescimento e expansão do tumor. A quimioterapia consiste na administração de fármacos que destroem as células tumorais, interferindo com os processos de crescimento e divisão das mesmas. Pode ter um papel relevante em situações de doença extensa e com crescimento rápido (por exemplo, NNE pouco diferenciadas). A radioterapia poderá estar indicada com intuito paliativo para controlo sintomático ou prevenção de complicações locais de metástases.

Ao longo de todo o processo de tratamento e seguimento, são repetidos os doseamentos de marcadores tumorais, os exames endoscópicos, os exames imagiológicos ou as PETs, conforme cada caso em particular. Dada a raridade e a complexidade das NNE pancreáticas a sua orientação em consultas multidisciplinares dedicadas a esta patologia, em centros com experiência, é fundamental para obter os melhores resultados.