Obesidade- definição, diagnóstico
A obesidade é uma doença crónica, reconhecida como tal pela Direção-Geral da Saúde, caracterizada por uma acumulação excessiva de gordura corporal com impacto negativo na saúde e na esperança de vida. Constitui um grave problema de saúde pública em virtude do seu caráter pandémico, com estimativas de 2016 apontando para mais de 1,9 biliões de adultos com pré-obesidade e 650 milhões com obesidade. Para agravar a situação pandémica, verifica-se uma prevalência cada vez maior entre as crianças e jovens. Estimativas de 2016 apontavam para que existisse mais de 340 milhões, na faixa etária dos 5 aos 19 anos, com obesidade ou pré-obesidade. Em 2020, estimava-se que mais de 39 milhões de crianças abaixo dos 5 anos de idade apresentasse obesidade ou pré-obesidade.
Em Portugal, mais de 50% da população apresenta pré-obesidade ou obesidade, aumentando a prevalência com a idade e nas classes sociais mais desfavorecidas.
O status ponderal é, usualmente, definido pelo índice de massa corporal (IMC) (razão entre o peso em quilogramas e o quadrado da altura em metros: kg/m2). Considera-se obeso o adulto com IMC igual ou superior a 30kg/m2 e pré-obesidade quando o IMC se encontra entre 25 e 29,9 Kg/m2. Por sua vez, a obesidade subdivide-se em classes, com o correspondente aumento de risco cardiovascular e metabólico.
Classes de obesidade |
IMC |
Risco cardiovascular e metabólico |
Classe I |
30 a 34,9 Kg/m2 |
Elevado |
Classe II |
35 a 39,9 Kg/m2 |
Muito elevado |
Classe III |
≥ 40 Kg/m2 |
Extremamente elevado |
Além da classe de obesidade, é importante o padrão de distribuição da gordura corporal.
Algumas pessoas obesas desenvolvem excesso de gordura a nível abdominal e apresentam maior risco de desenvolver patologias associadas à obesidade do que aquelas com excesso de gordura subcutânea. A circunferência da cintura correlaciona-se com a massa gorda abdominal e é um bom parâmetro clínico indireto, simples e prático, para aferir a gordura abdominal. A circunferência da cintura é um melhor preditor de patologias associadas à obesidade do que o IMC; quando se encontra acima do considerado como normal (a partir de 80 cm na mulher e de 94 cm no homem), aumenta o risco cardiometabólico associado. Quando aqueles valores são, respetivamente, iguais ou superiores a 88 e 102 cm implicam um risco cardiometabólico muito elevado.
Na criança, a obesidade é definida, de acordo com o género e a idade, em percentil de IMC; considera-se pré-obesidade quando o IMC se encontra entre o percentil 85 e 95 e considera-se obesidade quando o IMC chega ou ultrapassa o percentil 95 para determinada idade e género.
Causas da obesidade
De uma forma simplista podemos dizer que a obesidade resulta de um balanço energético positivo entre a energia ingerida e a energia despendida, conduzindo a ganho ponderal. A problemática da obesidade, no entanto, é mais complexa pois há uma interação de fatores que contribuem para o desenvolvimento e manutenção da doença, contando entre estes a predisposição genética, os aspetos comportamentais, socioeconómicos, ambientais e psicológicos.
Na sociedade atual, o grande promotor da obesidade é o estilo de vida erróneo, com erros alimentares e sedentarismo. A disponibilidade alimentar hipercalórica é uma constante. Por outro lado, o sedentarismo acentua-se como resultado das tecnologias no trabalho, na diversão e na ocupação de tempos livres. Em conjunto, tal propicia um balanço energético positivo face às necessidades do organismo.
Riscos da obesidade para a saúde
A pré-obesidade e obesidade estão associadas a múltiplas doenças com impacto na qualidade de vida, nomeadamente diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial, patologia cardiovascular, apneia obstrutiva do sono, doenças gastrointestinais e hepáticas, infertilidade feminina e masculina, artroses, depressão e vários cancros (mama, endométrio, próstata). Tais complicações podem resultar das consequências mecânicas do excesso ponderal mas, também, das consequências hormonais, pois o tecido adiposo é considerado, assumidamente, como um órgão endócrino.
A diabetes tipo 2 é uma consequência comum do excesso de adiposidade. Na verdade, mais de 90% dos indivíduos com diabetes tipo 2 apresentam excesso ponderal. O risco de diabetes é proporcional à gravidade da obesidade, aumentando exponencialmente com o aumento da gordura abdominal.
A disfunção nas células do tecido adiposo (adipócitos) pode resultar em alteração do metabolismo lipídico, aumentando o risco de dislipidemia, incluindo aumento dos níveis de triglicéridos, níveis reduzidos de colesterol bom (HDL) e uma deterioração qualitativa no colesterol mau (LDL). Esta associação é especialmente forte em pessoas com obesidade abdominal.
Também existe uma relação linear entre aumento da tensão (hipertensão) arterial e o IMC. Aproximadamente 70% da hipertensão em adultos é atribuída ao excesso ponderal, especialmente a aumento da gordura abdominal.
A obesidade está associada a um risco significativamente maior de doença cardiovascular ao longo da vida, incluindo doença arterial coronária, insuficiência cardíaca e doença cerebrovascular. Por exemplo, em homens de meia-idade, o risco de morte cardiovascular é duas vezes maior para IMC superior a 40 kg/m2 em comparação com homens que apresentam IMC normal. Por outro lado, o risco de acidente vascular cerebral isquémico (trombose) é aproximadamente duas vezes maior em indivíduos com IMC superior a 35 kg/m2.
Como resultado do aumento da prevalência de obesidade, a esteatose hepática (acumulação excessiva de gordura a nível do fígado - “fígado gordo”) é agora a causa mais comum de doença hepática crónica em países desenvolvidos e em vias desenvolvimento. Embora o fígado gordo seja um estado relativamente benigno, pode progredir de maneira imprevisível para esteato-hepatite, cirrose e carcinoma hepatocelular.
A obesidade pode induzir síndrome de hipoventilação da pessoa obesa ou síndrome de apneia obstrutiva do sono (obstrução parcial das vias aéreas superiores devido à pressão mecânica no pescoço), as quais podem melhorar de forma marcada mediante perda ponderal.
Como o peso corporal total contribui para a pressão mecânica nas articulações, a obesidade é um fator de risco para patologia osteoarticular degenerativa. Por exemplo, só a presença de pré-obesidade aumenta o risco de gonartrose (artrose a nível dos joelhos) em quase duas vezes.
A obesidade aumenta o risco de desenvolver certos tipos de tumores malignos, bem como agravar a evolução dos mesmos (nos Estados Unidos, estimou-se que a obesidade pode ser responsável por 14% de todas as mortes por cancro em homens e 20% em mulheres).
Adicionalmente, a insatisfação com a imagem corporal pode levar a depressão e ansiedade e comprometer, decisivamente, a qualidade de vida da pessoa obesa.
Tratamento da obesidade
Como importante problema de saúde pública, a obesidade não pode ser prevenida ou abordada apenas a nível individual. Só através de uma ação conjunta, bem estruturada, envolvendo todos os setores (sociedade civil, profissionais de saúde, organizações locais, nacionais e internacionais), se poderá mudar o curso desta pandemia. As comunidades, os governos, os meios de comunicação social e a indústria alimentar têm de trabalhar em conjunto para modificar o ambiente e torná-lo menos favorável ao ganho ponderal. Estratégias de saúde pública apropriadas para lidar com a obesidade devem ter como objetivos melhorar o conhecimento da população acerca da obesidade e reduzir a exposição comunitária a ambientes obesogénicos.
O objetivo geral do tratamento da obesidade é conseguir uma redução do peso corporal suficiente para que este deixe de representar um risco para a saúde. Este objetivo, embora possa estar longe dos desejos de muitos doentes, é o que responde às necessidades reais do organismo e que se baseia em expectativas realistas tendo, portanto, uma maior probabilidade de sucesso.
O tratamento assenta nas alterações do comportamento alimentar (plano alimentar e promoção do exercício físico) e, quando indicado, tratamento farmacológico e/ou cirúrgico. A educação alimentar é uma componente essencial de todas as estratégias de perda de peso. Os padrões de ingestão alimentar devem ser registados e avaliados por forma a identificar áreas que necessitem de atenção especial como a adequação nutricional, a quantidade das porções e a frequência das refeições. A atividade física tem inúmeros benefícios independentemente do IMC e da idade; deve fazer parte de qualquer abordagem à obesidade, uma vez que contribui não só para um maior gasto energético, mas também porque protege contra a perda de massa muscular, melhora a capacidade cardíaca e respiratória, reduz os riscos de doenças associados à obesidade e promove uma sensação de bem-estar.
A combinação do exercício com a intervenção alimentar é mais eficaz na redução ponderal do que qualquer um dos métodos isoladamente. Pequenas perdas de peso têm impacto favorável na redução do risco de patologias associadas à obesidade e, quando já presentes, na melhoria/regressão das mesmas sem ser necessário atingir o “peso ideal”. Está comprovado que perdas de 5% a 10% do peso têm benefícios, muito para além da imagem corporal, desde a redução de risco de diabetes tipo 2 à redução de fatores de risco cardiovasculares, melhoria na apneia do sono e na qualidade de vida. Um dos grandes desafios do tratamento da obesidade é a manutenção do peso após perda ponderal. Neste sentido, o estilo de vida saudável, instituído de forma sustentável, contribui para a manutenção do peso adequado a longo prazo.
Quando não são suficientes a intervenção alimentar e a implementação da atividade física, pode-se complementar com ajuda de fármacos antiobesidade. São candidatos à terapêutica farmacológica as pessoas que apresentam um IMC igual ou superior a 30 kg/m2 ou quando o IMC é igual ou superior a 27Kg/m2 e estão presentes patologias associadas à obesidade em doentes em que não foi possível conseguir perder peso com medidas de intervenção sobre o estilo de vida. A redução de peso diminui o risco de morbilidade e mortalidade e a obesidade é atualmente aceite como um dos fatores de risco para a saúde modificáveis. Os medicamentos disponíveis em Portugal para o tratamento incluem o orlistato 120 mg (Xenical®), o liraglutido 3.0 mg (Saxenda®) e a associação naltrexona 8 mg com bupropion 90 mg (Mysimba®). O orlistato é o único medicamento para emagrecer que não suprime o apetite. Em vez disso, administrado por via oral, o orlistato inibe a enzima lipase no lúmen do estômago e do intestino delgado, diminuindo a absorção de gordura em até 30%. O liraglutido é um agonista do recetor do GLP-1 (hormona incretina secretada a nível intestinal). Os mecanismos específicos que mediam a capacidade do liraglutido de promover a perda de peso passam, após administrado por via subcutânea, pelo atraso do esvaziamento gástrico e pela inibição do apetite. A associação naltrexona com bupropion, administrada por via oral, promove uma redução no prazer associado ao ato de ingestão de alimentos e, igualmente, uma inibição do apetite.
O tratamento cirúrgico deve ser reservado para casos graves ou para situações em que estão presentes complicações que colocam a vida em risco. Os critérios para o tratamento cirúrgico da obesidade são relatados na tabela 1.
Critérios para tratamento cirúrgico da obesidade |
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IMC ≥ 40 kg/m2 com ou sem doenças associadas |
IMC 35- 39.9kg/m2 e pelo menos uma doença associada:
(em alguns contextos, várias outras patologias são, igualmente, consideradas: Esteatose hepática não alcoólica, Doença de refluxo gastroesofágico, Asma, Insuficiência venosa crónica dos membros inferiores, Incontinência urinária severa, …) |
IMC 30 -34.9kg/m2 e diabetes mellitus tipo2 em que não é possível atingir um bom controlo metabólico através de medidas gerais e farmacológicas |
Tabela 1. Critérios para tratamento cirúrgico da obesidade
A obesidade é um problema crescente e preocupante que deve ser visto de uma perspetiva comunitária. Melhorando o conhecimento da população acerca desta doença e reduzindo a exposição comunitária a ambientes promotores de obesidade, conseguiremos vencê-la.
Essa responsabilidade inicia-se com cada um de nós…