A obesidade pediátrica é uma doença complexa que pode afetar crianças e adolescentes de qualquer idade. Trata-se de uma entidade cada vez mais frequente, que se associa a outras doenças graves, sendo atualmente considerada um problema de saúde pública. Em Portugal, em 2019, 29,6% das crianças tinham excesso de peso ou obesidade.
A obesidade na infância e adolescência resulta mais frequentemente do desequilíbrio no balanço energético, ou seja, uma ingestão calórica excessiva e superior ao gasto energético.
O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma ferramenta de uso clínico de grande interesse, aplicável a partir dos 2 anos de idade, que utiliza o peso e a altura para estimar, indiretamente, a quantidade de gordura corporal. Considera-se excesso de peso quando o IMC é ≥25 e <30 e obesidade quando é ≥30. Contudo, na idade pediátrica, o IMC deve ser representado através do percentil ou do z-score das curvas da Organização Mundial de Saúde, onde é ajustado de acordo com o sexo e idade. Assim, entre os 0 e os 5 anos, verifica-se excesso de peso quando IMC >P97 ou z-score >2 e obesidade quando IMC >P99 ou z-score >3. Para crianças entre os 5 e os 18 anos, assume-se excesso de peso quando IMC >P85 ou z-score >1 e obesidade quando IMC > 97 ou z-score > 2.
Quais os fatores de risco para desenvolver obesidade na idade pediátrica?
A obesidade na infância e adolescência surge como consequência da interação de vários fatores individuais e sociais, biológicos, do desenvolvimento, ambientais, comportamentais e genéticos. Entre os muitos fatores de risco/ patologias envolvidas na etiologia da obesidade destacam-se:
- Consumo frequente e em grandes porções de refeições altamente calóricas (como fast food e refrigerantes), hoje em dia facilmente disponíveis e acessíveis, quer a nível comercial, quer em ambiente escolar;
- Sedentarismo (pouca atividade física e muito tempo em frente a ecrãs: televisão, vídeo-jogos, etc);
- Maus hábitos de sono (poucas horas de sono e sonos irregulares);
- Medicações (psicofármacos, anti-epiléticos, glucocorticóides);
- História de nascimento pequeno para a idade gestacional ou prematuro;
- Transição precoce do leite materno para o leite adaptado e a introdução precoce da proteína na dieta;
- Doenças endócrinas (raro): hipotiroidismo grave, défice de hormona de crescimento, síndrome de Cushing, pseudohipoparatiroidismo tipo 1a;
- Doenças genéticas: Síndrome de Prader Willi, Síndrome de Alstrom, Síndrome de Bardet Biedl; outras mutações em 1 ou mais genes das hormonas responsáveis por controlar o apetite e a sensação de saciedade.
Quais as doenças causadas pela obesidade pediátrica?
A obesidade está associada ao desenvolvimento de inúmeras doenças que podem afetar vários órgãos e sistemas (Tabela 1). Muitas delas contribuem para a ocorrência de doença aterosclerótica prematura e predizem o risco de doença cardiovascular na idade adulta, com consequente aumento do risco de morbilidade e mortalidade.
Tabela 1 – Doenças associadas à obesidade pediátrica |
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Fatores de risco cardiovascular e distúrbios endócrinos |
Pré-diabetes ou diabetes mellitus tipo 2, insulinorresistência, dislipidemia, hipertensão arterial, hiperuricemia |
Problemas respiratórios |
Asma, síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS) |
Problemas de crescimento e desenvolvimento pubertário/reprodutivo |
Desenvolvimento de puberdade precoce, irregularidades menstruais, aumento da pilosidade corporal (hirsutismo) e síndrome do ovário poliquístico nas meninas adolescentes |
Problemas psicossociais |
Ansiedade, depressão, isolamento social, bullying, baixa auto-estima, distúrbios alimentares (anorexia e bulimia nervosa, compulsão alimentar, ingestão alimentar noturna), distorção da imagem corporal, dificuldade na comunicação e socialização |
Problemas dermatológicos |
Acantose nigricans, estrias, furunculose, intertrigo |
Problemas gastrointestinais |
Doença do fígado gordo não-alcoólica; litíase biliar |
Problemas articulares |
Epífise femoral de capital deslizada, tíbia vara, dor musculoesquelética, fraturas |
Problemas renais |
Glomerulonefrite, síndrome nefrótico |
Problemas neurológicos |
Pseudotumor cerebral, disfunção neurocognitiva |
Défices nutricionais |
Défice de vitamina D e de ferro |
Como prevenir e tratar a obesidade pediátrica?
É essencial tomar medidas preventivas para a obesidade durante a infância e adolescência, através da aquisição de hábitos alimentares saudáveis e do reconhecimento dos principais erros nutricionais, aliados à prática regular de atividade física e redução do tempo em frente a ecrãs (televisão, computador, telemóvel). Estas modificações do estilo de vida são as mesmas a adotar como tratamento inicial de qualquer pessoa com obesidade. Contudo, considerando que os comportamentos e a dieta são influenciados por vários fatores, nomeadamente a família, torna-se perentório encarar e tratar a obesidade como um problema familiar, incentivando mudanças de estilos de vida no seio da família. Devido aos problemas psicossociais que podem acompanhar o adolescente relativamente à sua imagem corporal, uma abordagem não farmacológica agressiva pode traduzir-se negativamente com o desenvolvimento de transtornos alimentares como bulimia ou anorexia nervosa, compulsão alimentar ou ingestão alimentar noturna. A estas crianças e adolescentes deverá ser disponibilizado um acompanhamento psicológico e psiquiátrico adequados, paralelamente a um acompanhamento nutricional que deverá ser universal.
Quando a dieta e o exercício físico não são suficientes para o controlo adequado do peso, mesmo depois de assegurado um acompanhamento médico e nutricional multidisciplinar estruturado, poder-se-á considerar terapêutica farmacológica, embora as possibilidades disponíveis sejam limitadas nestes grupos etários.
O orlistat é o único tratamento farmacológico aprovado para a perda de peso na idade pediátrica (entre os 12 e os 18 anos) mas está associado, com alguma frequência, a efeitos secundários indesejáveis como dor abdominal, flatulência, fezes líquidas e oleosas.
A cirurgia bariátrica é a terapêutica de última linha e está recomendada apenas em casos muito selecionados e muito graves: adolescente com um IMC >35 com pelo menos 1 doença grave (diabetes mellitus tipo 2, SAOS grave, esteatose hepática grave ou pseudotumor cerebral) ou IMC ≥40 com outras patologias (hipertensão, dislipidemia, SAOS ligeiro, insulinorresistência, pré-diabetes ou prejuízo da qualidade de vida devido ao peso). A cirurgia só pode ser considerada após os adolescentes terem completado a maioria do seu crescimento linear e terem sido devidamente acompanhados, participado e aderido a um programa de perda de peso bem estruturado durante pelo menos 6 meses, não tendo apresentado resultados satisfatórios.