Glândulas e doenças Endócrinas

Oftalmopatia de Graves

O que é?

A doença de Graves é uma doença autoimune da tiroide que resulta do funcionamento inapropriado do sistema imunológico (de defesa) que reconhece erradamente a tiroide como um agente invasor. É caraterizada pela presença no sangue de moléculas de defesa ou anticorpos anti-recetor da TSH (TRABs) que se ligam à tiroide, causando hiperatividade generalizada da glândula e excesso de produção de hormonas tiroideias (hipertiroidismo). 

A oftalmopatia de Graves (também conhecida por oftalmopatia tiroideia, doença ocular da tiroide, orbitopatia de Graves ou orbitopatia tiroideia) ocorre em 25-40% dos casos e é a manifestação extratiroideia mais frequente da doença de Graves.

Os estudos sugerem que é provocada pelos TRABs da doença de Graves que atacam os recetores também existentes na órbita (área à volta dos olhos), mas nem todos os mecanismos estão esclarecidos. Mais raramente, a orbitopatia pode ocorrer em pessoas com tiroidite crónica autoimune em hipotiroidismo (diminuição da produção de hormonas tiroideias) ou eutiroidismo (função tiroideia normal).

Nesta doença ocorre inflamação e aumento dos músculos extraoculares (que controlam os movimentos dos olhos), da gordura e dos tecidos ao redor dos olhos. Pode afetar atividades diárias (ler, conduzir, ver televisão) e em casos mais graves tornar-se desfigurante e incapacitante, com impacto físico, psicológico e social negativo.

 

Quais os fatores de risco associados?

  • Genética;
  • Idade superior a 50 anos;
  • Sexo feminino (mais frequente devido à maior incidência de doença de Graves no sexo feminino, mas a doença ocular é mais grave no sexo masculino);
  • Tabagismo (fator de risco mais importante para desenvolvimento e agravamento da doença; quanto maior o número de cigarros por dia maior o risco; fumadores apresentam resposta mais lenta e resistente aos tratamentos; o tabagismo passivo também é fator de risco);
  • Níveis elevados de TRABs no sangue (marcadores da doença; quanto maiores os TRABs maior a atividade e a gravidade da oftalmopatia);
  • Disfunção tiroideia mais marcada (tanto o hipertiroidismo como o hipotiroidismo descompensado influenciam negativamente a orbitopatia);
  • Tratamento com iodo radioativo (pode induzir ou agravar a orbitopatia, sobretudo nos fumadores);
  • Diabetes mellitus;
  • Deficiência de selénio e aumento do stress oxidativo (diminuição dos níveis de antioxidantes; pode contribuir para agravar a doença);
  • Colesterol elevado (correlacionado com manifestação ocular).

 

Que sintomas e sinais podem existir?

  • Sensação de irritação nos olhos;
  • Lacrimejo excessivo;
  • Olhos secos,
  • Olhos vermelhos;
  • Pálpebras inchadas ou vermelhas;
  • Sensibilidade à luz;
  • Visão turva;
  • Pressão ou dor ocular (atrás dos olhos ou com movimentos oculares);
  • Dificuldade nos movimentos oculares;
  • Visão dupla; 
  • Retração das pálpebras (deslocamento da pálpebra superior para cima e da pálpebra inferior para baixo);
  • Saliência anormal dos olhos por deslocação da órbita para a frente (termos utilizados “olhos salientes”, “mais abertos”, “proeminentes”, “saídos”, “para fora”, ”esbugalhados”, “espantados”);
  • Incapacidade de mover os olhos;
  • Incapacidade de fechar os olhos; 
  • Desalinhamento dos olhos;
  • Perda de visão;
  • Ferida na córnea (parte protetora do olho);
  • Compressão do nervo ótico (complicação mais grave, exige de tratamento rápido).

 

Como é diagnosticada?

Na maioria das pessoas com doença de Graves, o envolvimento ocular não está presente no momento do diagnóstico do hipertiroidismo, mas ocorre nos meses seguintes. O diagnóstico de oftalmopatia é baseado nos sinais e sintomas e é mais fácil quando a doença tiroideia já é conhecida. É frequentemente bilateral (nos dois olhos), mas pode ser assimétrica ou unilateral.

Geralmente está associada a outras manifestações clínicas da doença de Graves, as análises da função tiroideia revelam hipertiroidismo e os TRABs responsáveis pela doença estão aumentados. Contudo, a oftalmopatia pode ocorrer quando a tiroide não está hiperativa, por isso uma função tiroideia normal não exclui a possibilidade de doença ocular. Por outro lado, o hipertiroidismo pode ocorrer apenas mais tarde e o desenvolvimento de orbitopatia pode alertar para o diagnóstico.

Os Endocrinologistas têm um papel fundamental no diagnóstico precoce, abordagem inicial e eventual referenciação para Oftalmologia para confirmar a causa da orbitopatia e efetuar a avaliação completa da sua atividade e gravidade. Por vezes é necessário realizar exames auxiliares.

 

Qual a abordagem mais indicada?

Todos os doentes devem ser alertados para o risco de oftalmopatia. O impacto negativo do tabaco deve ser explicado e os fumadores aconselhados a deixar de fumar. O tabagismo passivo também deve ser evitado. 

O tratamento é individualizado e depende da atividade (ativa/inflamatória ou inativa/não inflamatória) e gravidade da oftalmopatia de Graves (leve, moderada a grave ou com ameaça à visão). Geralmente, a doença é ligeira, melhora espontaneamente ou é facilmente tratável. As formas moderadas a graves (5-6% dos casos) permanecem um desafio terapêutico.

A estratégia primordial é o controlo rápido e rigoroso da função tiroideia, crucial para a oftalmopatia de Graves. Contudo, a evolução e gravidade ocular nem sempre está relacionada com os níveis hormonais, ou seja, o tratamento da disfunção tiroideia não afeta necessariamente a evolução ocular. O tratamento do hipertiroidismo é orientado por Endocrinologia e pode incluir fármacos antitiroideus, cirurgia tiroideia ou iodo radioativo; os dois primeiros podem reduzir os TRABs, mas o iodo pode agravar a doença ocular sobretudo nos fumadores (está recomendado tratamento profilático com corticoides em doentes de alto risco). 

Existem medidas para melhoria das queixas: utilizar lágrimas artificiais ou gel lubrificante; aplicar de compressas frias nos olhos; usar óculos de sol; elevar a cabeceira da cama; usar óculos com lentes especiais. A suplementação com selénio (mineral antioxidante) é recomendada nas formas leves para controlo sintomático e evicção da progressão. O tratamento do colesterol elevado também pode ajudar.

Os Oftalmologistas são responsáveis pelo tratamento da orbitopatia moderada a grave e com ameaça de visão, em coordenação com o tratamento da doença tiroideia por Endocrinologia. Os corticoides são os fármacos mais utilizados para diminuir a inflamação. Raramente o doente pode precisar de outros tratamentos injetáveis ou radioterapia. Uma minoria necessita de cirurgia ocular na fase inativa e após estabilização da função tiroideia, mas pode ser necessário cirurgia emergente em caso de ameaça à visão. 

 

É possível prevenir?

A doença de Graves e a oftalmopatia de Graves não podem ser prevenidas. Não se sabe ao certo por que algumas pessoas desenvolvem doença ocular e outras não. Contudo, o controlo ou eliminação dos fatores de risco modificáveis, a estabilização da função tiroideia e o diagnóstico e tratamento precoces das formas leves de oftalmopatia de Graves podem alterar a história natural e limitar o risco de ocorrência e progressão para formas mais graves.