Glândulas e doenças Endócrinas

Síndrome Carcinóide

Introdução

A síndrome carcinóide define o conjunto de sinais e sintomas causados por substâncias produzidas por tumores neuroendócrinos (TNE) bem diferenciados.

Os TNE são tumores raros que se originam a partir de células neuroendócrinas, células especializadas na produção de hormonas em resposta a estímulos provenientes do sistema nervoso central. Estas localizam-se em quase todos os órgãos do corpo, preferencialmente no trato gastrointestinal, pulmões e brônquios.

O subgrupo de TNE bem diferenciados (que alberga a maioria dos TNE) caracteriza-se por uma taxa de proliferação celular limitada, e consequentemente, um prognóstico bom a moderado. Contudo, a secreção excessiva de hormonas que caracteriza esta síndrome pode comprometer a qualidade de vida dos doentes e agravar o seu prognóstico.

 

Caraterísticas Gerais

A sua prevalência estimada é de 19% e tem aumentado ao longo dos últimos anos, o que espelha o aumento de frequência de TNE per si.

Na maioria dos casos, associa-se a tumores NE com origem no trato gastrointestinal médio (jejuno, íleon e cego), seguido do timo, brônquios e, mais raramente, pâncreas, cólon distal e reto.

A síndrome carcinóide tende a ocorrer na vigência de doença disseminada (ou seja, quando existem metástases à distância), nomeadamente metástases hepáticas que possam comprometer o normal papel do fígado na metabolização e inativação dos produtos secretados pelos TNE.

 

Substâncias produzidas na síndrome carcinóide e sintomas associados

Foram identificadas mais de 40 substâncias potencialmente envolvidas na patogénese da síndrome carcinóide, sendo a principal a serotonina. A histamina, calicreína, prostaglandinas e taquicininas foram também implicadas.

A serotonina regula a motilidade e a secreção de fluídos no trato gastrointestinal, com aumento do tónus e peristaltismo. A sua hipersecreção resulta em diarreia, a manifestação mais frequente (80% dos doentes). Esta tem frequência variável (entre 3 a mais de 30 dejeções por dia), muitas vezes acompanhadas por cólicas abdominais.  A hiperprodução de calicreínas e taquicininas também contribui para a diarreia.

A serotonina também tem um papel na fibrose que, quando atinge o endocárdio (camada mais interna do coração) e as válvulas cardíacas, resulta em disfunções valvulares e pode originar insuficiência cardíaca. A doença cardíaca carcinóide está presente em cerca de 40% dos doentes.

A produção preferencial de serotonina compromete a disponibilidade do triptofano para a síntese de proteínas, podendo levar, em casos extremos a diminuição significativa da massa muscular. Nalguns casos, ocorre também défice de niacina que, quando grave, origina manifestações clínicas típicas de pelagra (1-3%), com alterações cutâneas semelhantes a queimaduras solares, hiperpigmentação de áreas expostas ao sol, glossite e até manifestações neurológicas como demência.

A histamina, as calicreínas e as taquicininas são péptidos vasoactivos que ao promoverem a dilatação dos vasos, levam ao aparecimento de rubor cutâneo (em 50–85% dos doentes). Este acomete mais frequentemente a face, pescoço e porção superior do tórax, tem duração variável (desde segundos a vários minutos) e pode ocorrer várias vezes por dia. A destacar, contudo, que a maioria dos doentes não se apercebe destes episódios e que estes não se acompanham de aumento da sudorese. Na maioria dos casos surge espontaneamente, mas pode ser induzido por fatores como o stress, estimulação do nervo vago (mastigação, lavagem dos dentes), defecação, ingestão de álcool ou alimentos que contenham tiamina (queijo, café, chocolate, vinho tinto). Pode até ser precipitado por fármacos anestésicos e, nestas situações, pode durar várias horas e ser acompanhado por hipotensão severa, originando a chamada “crise carcinóide”.

A respiração ofegante está presente em 10–20% dos doentes e deriva da constrição dos brônquios induzida pelo excesso hormonal, embora não esteja ainda esclarecido o tipo de substâncias que o provoca.

Outras manifestações menos frequentes incluem as telangiectasias venosas (dilatação de vasos com calibre < 2mm) que são uma manifestação tardia desta síndrome e resultam da vasodilatação prolongada. Têm localização preferencial no nariz, lábio superior e bochechas.

 

Diagnóstico

O diagnóstico consiste no doseamento do produto final do metabolismo da serotonina: o ácido hidroxi-indoleacético-5 (5-HIAA) numa colheita de urina 24 horas, sendo um valor elevado sugestivo de síndrome carcinóide na presença de sinais e sintomas.

Uma vez realizado o diagnóstico bioquímico de síndrome carcinóide, importa localizar o TNE (se o mesmo não tiver sido localizado) e excluir a presença de metástases, nomeadamente hepáticas.

 

Tratamento

O tratamento é muitas vezes desafiante e deve ser individualizado de acordo com os sintomas, estado geral do doente, estádio de doença e localização do tumor primário.

São necessárias medidas de modificação do estilo de vida para controlo sintomático: evicção de alimentos contendo serotonina ou triptofano (álcool, picantes) e de exercício físico extenuante, uma vez que podem exacerbar alguns sintomas, como o rubor cutâneo. A diarreia em contexto de síndrome carcinóide não responde à restrição de alimentos e podem ser necessários agentes anti-diarreicos.

Os análogos da somatostatina são considerados primeira linha de terapêutica farmacológica. Exercem efeitos inibitórios nas funções gastrointestinais endócrina e exócrina, promovendo um alívio substancial dos sintomas de síndrome carcinoide em 66-70% dos doentes. Esta terapêutica é injetável, havendo desde formulações tri-diárias a mensais. É um fármaco bem tolerado, sendo, contudo, possível a perda de resposta a longo prazo. Se essa refratariedade persistir após aumento da dose, diminuição da periodicidade de administração e/ou tentativa com um análogo diferente, são necessárias terapêuticas de segunda linha. 

O interferão-alfa é uma alternativa, também injetável, mas com mais efeitos adversos que os análogos. O teloristato é um fármaco oral recentemente aprovado que inibe a conversão de triptofano em serotonina e melhora a diarreia em 44% dos casos, mas não tem efeito no rubor facial.

A terapêutica com radionuclidos específica de recetor utiliza análogos de somatostatina radiomarcados que transportam radiação para o interior das células tumorais, destruindo-as sem lesar os tecidos normais. É uma terapêutica geralmente bem tolerada com alguns riscos que, embora raros, incluem a exacerbação dos sintomas hormonais (1% dos doentes), sendo, por isso, necessária uma preparação e monitorização adequadas.

Sendo a metastização hepática frequentemente implicada na síndrome carcinóide, foram desenvolvidas estratégias terapêuticas direcionadas ao fígado que incluem a ressecção cirúrgica de metástases, ablação por radiofrequência e embolização de artérias hepáticas com ou sem quimioterapia. O transplante hepático pode ser equacionado em doentes mais jovens.

 

mensagens-chave:

  • A síndrome carcinóide surge, geralmente, associada a tumores neuroendócrinos metastáticos de origem no trato gastrointestinal médio (jejuno, íleo e cego).
  • A sua sintomatologia é ampla e variável, incluindo diarreia, doença cardíaca e episódios de rubor facial.
  • A terapêutica da síndrome carcinóide inclui evicção de alguns alimentos como álcool ou picantes e de exercício físico extenuante. Na maior parte dos casos é necessário iniciar também terapêutica farmacológica.