O que é a Sindrome de Cushing?
A Síndrome de Cushing é uma doença que resulta de um aumento dos níveis de glucocorticoides. Os glucocorticoides são um grupo de hormonas conhecidas como as hormonas de stress, nas quais se inclui a cortisona e o cortisol. Apesar de serem essenciais à vida, o seu excesso pode ser prejudicial, podendo afetar o normal funcionamento de muitos órgãos e sistemas.
É uma doença muito comum?
Trata-se de uma doença comum, se considerarmos as pessoas que tomam glucorticoides (hidrocortisona, prednisolona, deflazacort, metilprednisolona, dexametasona) para o tratamento de doenças alérgicas ou imuno-mediadas (auto-imunes). Quando a Síndrome de Cushing resulta da produção de quantidades excessivas de glucorticoides pelo nosso próprio corpo (Cushing endógeno), falamos de uma doença rara, estimando-se que afete 40-70 pessoas por cada milhão. Apesar de afetar mais frequentemente as mulheres em idade adulta (entre os 20 e 40 anos), a Síndrome de Cushing pode afetar pessoas de todas as idades e sexos.
De que maneira pode o excesso de glucocorticoides prejudicar a saúde?
Os doentes com a Síndrome de Cushing geralmente sofrem de alterações da composição corporal, sendo frequente assistir-se a um aumento de peso, havendo uma acumulação preferencial de gordura na região abdominal e região posterior do pescoço (bossa cervical) sem atingimento dos membros (braços e/ou pernas). Há igualmente uma maior tendência para o desenvolvimento de estrias (geralmente largas e violáceas), equimoses após traumatismos mínimos (nodoas negras), fraqueza muscular, alteração do tom da pele da cara (vermelhidão), queda de cabelo e aumento da pilosidade corporal.
Adicionalmente, a Síndrome de Cushing pode causar inúmeras doenças, tais como:
- Diabetes Mellitus
- Hipertensão Arterial
- Hipercolesterolemia (colesterol elevado)
- Osteoporose
- Depressão
- Demência
- Imunossupressão (maior risco para infeções)
- Trombose venosa
- Aterosclerose
Por estes motivos, os doentes com a Síndrome de Cushing têm um maior risco de mortalidade precoce, principalmente por doença cardiovascular (enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral - AVC).
Quando devo ir ao médico? Deverei questionar acerca da possibilidade de Síndrome de Cushing?
O aparecimento de alguns dos sintomas, ou perante o surgimento simultâneo e rapidamente progressivo de algumas das doenças acima descritas, deverá justificar a ida ao seu médico assistente ou, preferencialmente, ao seu Endocrinologista para avaliação clínica.
Mas qual é afinal a causa da Síndrome de Cushing? Medicamentos? Doença da suprarrenal ou da hipófise? Pode ser cancro?
A causa mais frequente da Síndrome de Cushing é a toma de medicamentos que contenham glucorticoides (hidrocortisona, prednisolona, deflazacort, metilprednisolona, dexametasona). Uma vez excluída a toma deste tipo de medicamentos, as causas para a síndrome podem ser, de acordo com o mecanismo da doença, divididas em 2 grandes grupos:
- Síndrome de Cushing ACTH dependente: Trata-se do subtipo mais prevalente. Nestes doentes o aumento dos níveis de glucocorticoides resulta quase sempre de uma doença da hipófise (glândula pituitária). Habitualmente resulta da produção excessiva de um péptido designado ACTH por um tumor benigno da hipófise (adenoma hipofisário). Estes casos são conhecidos como Doença de Cushing. No entanto, a síndrome de Cushing pode também ser causada por outro tipo de tumor de natureza benigna ou maligna fora da hipófise, classificando-se estes casos por Síndromes do ACTH ectópico.
- Síndrome de Cushing ACTH-independente: Neste subgrupo, a produção excessiva de glucocorticoides tem origem na suprarrenal, sendo causado mais frequentemente por um tumor benigno ou doenças genéticas. Os tumores malignos da suprarrenal também podem causar a Síndrome de Cushing, embora sejam extremamente raros.
Como se diagnostica a Sindrome de Cushing?
Quando o médico considera o quadro clínico suspeito, a investigação diagnóstica da Síndrome de Cushing é feita principalmente a partir de análises, sendo eventualmente seguido de exames de imagem. Estes exames são obviamente dispensados em doentes cuja causa da Síndrome de Cushing seja a toma de remédios com glucocorticoides. O diagnóstico divide-se em quatro passos, que devem idealmente ser efetuados de forma sequencial, especialmente quando os resultados são sugestivos da síndrome:
- Provas de rastreio:
Para o rastreio da síndrome de Cushing podem ser efetuados três tipos de testes: doseamento do cortisol na saliva à meia-noite, doseamento do cortisol na urina de 24 horas ou o doseamento de cortisol no sangue após a toma de dexametasona (prova de supressão com dexametasona de 1mg). Estes exames são bastante sensíveis, embora tenham um elevado número de falsos positivos. Assim, os doentes com testes positivos devem prosseguir a investigação, seguindo-se a realização das provas confirmatórias. - Provas confirmatórias:
Habitualmente realizadas em internamento hospitalar ou em hospital de dia. Realiza-se habitualmente o ritmo do cortisol (doseamento de cortisol no sangue de manhã e no final do dia – meia noite), prova de supressão com dexametasona de 2mg com CRH (prova de Yanovski) e a prova da desmopressina. Estes testes, quando positivos, confirmam o diagnóstico da Síndrome de Cushing. - Determinação de mecanismo:
Uma vez confirmado o diagnóstico da Síndrome de Cushing, importa perceber se se trata de uma causa ACTH-dependente ou ACTH-independente. Para isso, procede-se ao doseamento de ACTH no sangue - Investigação da causa:
Nos doentes com Síndrome de Cushing ACTH-dependente, os próximos passos habitualmente incluem a realização de uma ressonância magnética do crânio. Quando inconclusiva, poder-se-á justificar a realização de um cateterismo, cintigrafia/PET ou mais análises (prova de supressão com dexametasona de 8mg).
A TAC abdominal é o exame de imagem de eleição nos doentes Síndrome de Cushing ACTH independente.
Como se trata a síndrome de Cushing?
O tratamento varia com a causa da síndrome. Nos doentes a fazer medicamentos com glucocorticoides, dever-se-á discutir multidisciplinarmente a necessidade de manter os glucocorticoides ou eventualmente de os reduzir para a menor dose possível. Estes medicamentos nunca devem ser suspensos de forma abruta sem acompanhamento ou indicação médica por 2 motivos:
- podem provocar a recorrência da doença que motivou a sua toma
- a toma prolongada de glucocorticoides (mais de 3 semanas seguidas) cria “habituação”, fazendo com que uma suspensão abruta leve ao aparecimento de sintomas potencialmente ameaçadores de vida tais como cansaço, mal-estar, tonturas, náuseas, vómitos, descida excessiva e patológica da tensão arterial e dos níveis de glucose no sangue (hipoglicemia).
Por estes motivos, a suspensão dos glucocorticoides deve ser sob um esquema de desmame com acompanhamento médico.
Nos doentes em que se é diagnosticado um tumor da hipófise ou da supra-renal, o tratamento é quase sempre cirúrgico, uma vez que o tratamento medicamentoso é pouco eficaz a longo prazo. As cirurgias da hipófise e/ou supra-renal são potencialmente curativas, sobretudo se a doença for menos avançada e quando a cirurgia é realizada atempadamente. Se a causa da síndrome for um tumor maligno, o tratamento dependerá do tipo de tumor e da sua extensão à data do tratamento, potencialmente exigindo cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou outros tratamentos.
1 - Steffensen C, Bak AM, Rubeck KZ, Jorgensen JO. Epidemiology of Cushing’s syndrome. Neuroendocrinology. 2010;92 Suppl 1:1–5