Glândulas e doenças Endócrinas

Tratamento farmacológico da Diabetes tipo 2

A Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) corresponde a cerca de 90% de todos os casos de Diabetes. A DM2 resulta do facto de existir resistência à ação da insulina e uma quantidade de insulina insuficiente, com a consequente elevação da glicose no sangue (glicémia). Em 2019 a prevalência estimada da Diabetes na população portuguesa com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos foi de 14,2%. A pessoa com DM2 pode ter um longo período sem sintomas. Habitualmente o diagnóstico é feito em análises de rotina ou na sequência de um internamento por outra causa. Os critérios diagnósticos de DM2 são listados de seguida:

 

  1. Glicémia em jejum ≥ 126mg/dL (7,0 mmol/L); ou 
  2. Glicémia ≥ 200 mg/dL (11,1 mmol/L) às 2 horas, na prova de tolerância à glicose oral (PTGO) com 75g de glicose; ou 
  3. Glicémia ocasional ≥ 200mg/dL na presença de sintomas clássicos de hiperglicémia; ou
  4. Hemoglobina glicada (HbA1c) ≥ 6.5%.

 

Objetivos do tratamento

O objetivo glicémico é definido individualmente.

 

Tratamento não farmacológico

Em alguns casos, na altura do diagnóstico, está indicada a alteração do estilo de vida antes do início da terapêutica farmacológica, como um plano alimentar e exercício físico, bem como a perda de peso. Estes planos devem ser adaptados a cada pessoa. No caso de, desta forma, não ser possível um controlo glicémico adequado, há lugar ao tratamento farmacológico. 

 

Tratamento farmacológico

Atualmente dispomos de várias classes farmacológicas para o tratamento da DM2 que podem ser utilizadas isoladamente ou em associação para cumprimento do objetivo estabelecido para cada doente. São elas: 

  • biguanidas, da qual o exemplo mais conhecido é a metformina; 
  • sulfonilureias, sendo a mais utilizada em Portugal a gliclazida, mas também fazem parte deste grupo farmacológico a glibenclamida, a glimepirida e a glipizida; 
  • tiazolidinedionas, dentro desta classe a pioglitazona mantém interesse terapêutico;
  • glinidas, em concreto a nateglinida;
  • inibidores da alfa-glicosidase intestinal, isto é, a acarbose;
  • inibidores da dipeptidil peptidase-4 (iDPP4), entre os quais se conhecem com interesse terapêutico a alogliptina, a linagliptina, a vildagliptina, a saxagliptina e a sitagliptina;
  • inibidores do co-transportador de sódio e glucose 2 (iSGLT2), classe em que se inclui a canagliflozina, a dapagliflozina, a empagliflozina e a ertugliflozina; 
  • análogos do glucagon-like peptide-1 (aGLP-1), dos quais temos disponíveis em Portugal o dulaglutido, exenatido, liraglutido, e mais recentemente o semaglutido. Neste grupo a administração é através de uma injeção subcutânea; 
  • e por último, a insulina, existindo inúmeros esquemas possíveis.

 

A metformina é o fármaco utilizado em primeira linha no tratamento da DM2, exceto na presença de contraindicações, como a doença renal crónica, em concreto nos casos com Débito de Filtrado Glomerular estimado (DFGe) <30mL/min/m2. A metformina é um fármaco seguro e efetivo, com um potencial para ligeira redução do peso. Os efeitos adversos gastrointestinais são frequentes, sendo os principais as náuseas, a diarreia e o desconforto abdominal, que podem ser minimizados com um aumento progressivo da dose e na maior parte dos casos são ligeiros e bem tolerados. 

Em doentes com contraindicação ou intolerância à metformina, a escolha de uma terapêutica alternativa deverá ser apoiada nas características de cada doente. Do mesmo modo, se a metformina for insuficiente para atingir o alvo glicémico, a associação sequencial de outros fármacos deverá seguir o mesmo critério. 

Com vista a atingir o alvo glicémico todas as associações são possíveis, com exceção da associação de aGLP-1 com iDPP4 por atuarem nas mesmas vias metabólicas. A associação de sulfonilureias com insulina que deve ser bem ponderada pelo risco aumentado de hipoglicémia.

Em doentes com doença cardiovascular aterosclerótica, doença renal crónica ou insuficiência cardíaca, a escolha deve ser de um aGLP1 ou iSGLT2 com benefício cardiovascular demonstrado. Se a perda de peso for um fator importante, deve igualmente ser considerado um aGLP1 ou iSGLT2. 

Os inibidores SGLT2 são utilizados para o tratamento da DM2 por aumentarem a eliminação de glicose na urina e, consequentemente, diminuírem os níveis de glicemia. Os efeitos adversos mais frequentes são as infeções urinárias e o risco de hipotensão por depleção de volume, devendo ser assegurada uma boa higiene e hidratação para reduzir estes riscos.

Os aGLP-1 estimulam a secreção de insulina (que reduz o açúcar no sangue) e reduzem a secreção de glucagon (que aumenta o açúcar no sangue) de forma dependente da concentração de glicose.

Existe ainda a classe dos iDPP4 que têm mecanismo de ação semelhante aos aGLP-1, com a vantagem de a administração ser oral. São menos potentes que os aGLP1 e ao contrário dos aGLP-1, que têm o potencial para redução do peso, estes têm um efeito neutro no peso.

A introdução da insulina deve ser sempre considerada quando há evidência de catabolismo (poliúria, polidipsia, perda de peso), HbA1c >10% ou valores de glicémia ≥300mg/dL.

 

Existem vários esquemas de insulina:

Apenas insulina basal, que consiste na administração de uma insulina de ação prolongada (basal), em que habitualmente a insulina é administrada uma vez por dia, embora existam situações em que são necessárias duas administrações diárias.

Esquema basal-bólus, que supõe a administração de dois tipos de insulina, uma insulina basal, tal como referido acima, e uma insulina de ação rápida ou ultra-rápida, que habitualmente é administrada às principais refeições.

Esquemas com pré-misturas/ insulinas bifásicas, que em cada administração tem um componente de ação curta/rápida e um componente de ação mais prolongada. Habitualmente são administradas duas a três vezes por dia, também às principais refeições. 

A escolha do esquema de insulina deve ser individualizada. Em todo o caso, se indicado, estes esquemas podem ser associados aos antidiabéticos não insulínicos de que falámos mais acima.

Por último, em algumas ocasiões o custo do tratamento pode ser um fator importante para a decisão farmacológica para evitar a falta de adesão ao tratamento, e nessa circunstância, depois da metformina, as sulfonilureias ou tiazolidinedionas podem ser opções a considerar. Se insuficientes deverá associar-se uma insulina com custo mais reduzido. Para os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, as insulinas são comparticipadas a 100% e os antidiabéticos não insulínicos são comparticipados em 90% (ou seja, o utente suporta apenas 10% dos custos dos antidiabéticos não insulínicos).

As sulfonilureias têm o inconveniente do maior risco de hipoglicémia e de possível aumento de peso. A pioglitazona não deve ser utilizada em doentes com insuficiência cardíaca, e tem como efeitos adversos mais frequentes, embora não ultrapassem 10% dos casos, a dor de cabeça, perturbações gastrintestinais, aumento de peso e dores articulares.

A mensagem mais importante é que cada esquema terapêutico deve ser adaptado a cada doente e avaliado pelo menos a cada 6 meses. 

 

mensagens chave:

  • Na diabetes tipo 2, as medidas relacionadas com o estilo de vida, devem ser sempre consideradas, nomeadamente o plano alimentar e de exercício físico, bem como, quando necessário, a perda de peso.
  • A metformina é o fármaco utilizado em primeira linha no tratamento da Diabetes Mellitus tipo 2, exceto na presença de contraindicações.
  • Existem vários esquemas de insulina: apenas insulina basal, esquema basal-bólus e esquemas com pré-misturas/ insulinas bifásicas. A escolha do esquema deve ser individualizada.
  • Alguns fármacos, para além do controlo glicémico, têm o potencial para redução do peso. Em determinadas situações estes fármacos podem ainda apresentar benefícios na doença renal ou cardíaca.
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