Podemos situar muito esquematicamente as origens da endocrinologia nos trabalhos pioneiros de Claude Bernard (1813 – 1878) que estabeleceu entre muitas outras coisas que o fígado tinha uma secreção externa (a bílis) e uma secreção interna (a glicose) e de Bayliss e Starling que (em 1905) demonstraram que injectando extracto de intestino exposto a HCl estimulavam a secreção pancreática. A substância responsável por este efeito foi chamada de secretina. E é a propósito desta substância que pela primeira vez é usado o nome de hormona. Alguns órgãos (glândulas endócrinas) têm como exclusiva função a produção de hormonas.
O conceito de que o sistema endócrino é constituído por estas glândulas é claramente reductor. Sabe-se hoje que praticamente todos os órgãos produzem factores reguladores que actuam localmente ou lançam em circulação substâncias que actuam a distância, como verdadeiras hormonas. O tubo digestivo, como vimos, segrega a secretina e muitas outras hormonas, o tecido adiposo segrega a leptina e dezenas de outras adipocinas, o músculo segrega, entre muitas outras miocinas, a miostatina, a irisina, o osso segrega a osteocalcina e o FGF 23, o coração segrega péptidos natriuréticos, etc.
Assim, enquanto que a Endocrinologia como especialidade médica mantem, em linhas gerais, a sua identidade apoiada na tradição e nas estruturas profissionais entretanto criadas, a endocrinologia como ramo da fisiologia dilui-se no conceito mais geral de regulação. Este novo olhar sobre a endocrinologia/regulação requere que sejam consideradas as seguintes situações:
1 – A endocrinologia expandiu-se à custa da facilidade de acesso aos factores circulantes. Grande parte da regulação depende também da actividade de factores autócrinos e parácrinos e do sistema nervoso autónomo, muito menos acessíveis a estudos funcionais. Esta é a “face oculta” da regulação.
2 – A expansão da biologia molecular acrescentou um nível adicional de complexidade ao estudo da regulação que agora inclui também a regulação dos mecanismos intracelulares.
3 – Para além do número crescente de hormonas que vão sendo descritas, os “genome wide studies” revelam a existência de numerosos “loci” associados a características fenotípicas como o índice de massa corporal, a tensão arterial, concentrações de lípidos, de adipocinas, etc. implicando a existência de uma rede muito diversificada de factores reguladores não identificados. As revistas de endocrinologia actuais estão recheadas de artigos em que são correlacionados os mais diversos factores (de risco ou de protecção) metabólicos, psicológicos e sociais com diversos “outcomes”. Nestas correlações está implícita alguma causalidade mas são omissos os mecanismos eventualmente implicados.
O raciocínio dedutivo a partir do conhecimento de uma fisiopatologia que envolvia duas ou três variáveis continua a dar frutos em algumas situações mas torna-se cada vez menos praticável à medida que o número de variáveis aumenta.
Assim, paradoxalmente, agora que dispomos de um capital enorme de conhecimentos básicos, a eficácia das modalidades terapêuticas apoia-se sobretudo na sua validação empírica em estudos controlados e randomizados. Tudo se passa como numa “caixa negra”. Cada modalidade terapêutica é validada, ou não, conforme o seu resultado final, independentemente dos mecanismos supostamente envolvidos.