A minha “estadia” em África
A pedido da minha amiga e colega Isabel do Carmo
O serviço militar obrigatório começou no dia 12 de Setembro de 1966, com a entrada em Mafra, na Escola Prática de Infantaria (EPI). Um grupo de “mancebos” no qual me incluía, era constituído pelos colegas e amigos Cavadinha Gomes (cirurgia, já falecido), Ivo Campos (anestesia, já falecido), Ângelo Martins (Ortopedia) e eu. Combinámos levar um dos nossos carros, alternadamente (eram todos Fiat 600). O Fiat do Ivo deu problemas sempre que entrava de serviço (cambota partida, bloqueio de duas velocidades (viemos em terceira até ao Porto), furos). Os outros 3 carros portaram-se sempre bem e eram muito confortáveis (4 gigantes dentro de um Fiat 600!!!). Entrámos na EPI ao som de músicas marciais e começámos logo a receber peças do fardamento. No dia seguinte às 7h30, apresentação na parada. E assim por lá ficamos em instrução que nos permitisse não entrar na guerra, mas evitar a morte.
Terminada a estadia em Mafra, lá fomos nós para o Hospital da Estrela (Hospital Militar) acabar o “estágio”. Um dia, a meio de uma aula, apareceu um oficial que nos informou da necessidade de transferência de 3 formandos para a Força Aérea (FA). Feito o sorteio, aí vou eu transferido para a FA e colocado no Estado Maior, na Avenida da Liberdade, com alojamento na messe de Monsanto. Estava casado e já tinha uma filha, o que “pedia” uma transferência para o Norte. O Coronel-Médico Tender, irmão de um professor da Faculdade de Medicina do Porto, chamou-me ao seu gabinete para perguntar se eu queria ir para a Base Aérea nº7, em S. Jacinto; sempre estava mais perto do Porto. Logo no dia de chegada a S. Jacinto, fui levar ao HM do Porto um alferes-piloto que fez uma aterragem de emergência em Bragança.
Passei 4 meses na BA nº 7, no serviço de saúde cujo chefe era o capitão-médico Álvares, expoente máximo da simpatia. O diálogo do 2º dia foi este, “como o Medina é miliciano vem 2 dias/semana à Base mas se for necessário virá 3 dias. Mas por favor não faça como o seu colega anterior que matou a sogra 3 vezes para justificar a falta”. Foram uns meses deliciosos. A BA 7 era uma Base de preparação de pilotos nos aviões T6. Apenas tive que intervir uma vez por causa de uma aterragem de emergência de um T6, no lado de lá da ria de Aveiro. O procedimento habitual era a lancha da Base avançar para o meio da Ria para estar mais perto do acidente, se o avião caísse na água, o que não aconteceu.
Ao fim de 4 meses o Dr. Álvares, muito pesaroso, entrega-me um papel que dizia mais ou menos isto: “tem 10 dias para gozar porque vai para Moçambique e será colocado no Batalhão de Caçadores Páraquedistas nº 31”. E lá fui eu em avião DC6, com paragem em Guiné Bissau, Luanda, Lourenço Marques e Beira.
Bem recebido pelo comandante Coronel Argentino Urbano Seixas e pelo médico Dr. Madeira. Fazia consultas aos militares na Base e apoio médico às famílias. Na primeira ida para o norte (Cabo Delgado) fui médico de uma companhia de páraquedistas e estivemos em zona de guerra mês e meio (angololo). Fomos de fragata da Beira para Mocímboa da Praia e, depois de uma estadia de 4 dias, fomos de coluna militar escoltados por um pelotão do esquadrão de cavalaria e com protecção aérea, para Mueda “terra da Guerra”. Encontrei 2 amigos de longa data - o Afonso (mais tarde médico) e Pacheco (oficial de máquinas da Fragata). No final do tempo das operações regressámos à base em avião NordAtlas. E assim durante 2 anos, repetimos estas idas e vindas sem baixas ou com baixas.
Recordo que um dia vim a Loureço Marques trazer feridos graves. Fomos apanhados por uma tempestade tropical e julguei ser a última viagem da minha vida. As 50 pessoas a bordo ficaram a dever a vida ao comandante do NorAtlas - capitão piloto aviador Anselmo - que com a sua perícia e experiência levou-nos a bom porto. Esperavam-nos em Lourenço Marques o Dr. Branco da Força Aérea e o Dr. Serrano, cirurgião do exército (que era meu colega no Hospital São João).
Durante a minha permanência nesta Unidade fiz várias incursões e missões no Norte de Moçambique. Aconteceram variadíssimas peripécias boas e más. Uma das piores foi a da operação Milhafre na qual tive que socorrer feridos graves, que por engano caíram na própria armadilha por eles montada. Percorri alguns quilómetros em mata cerrada e em território inimigo, acompanhado por 2 dos meus enfermeiros, até atingir o objectivo. Estabilizados os feridos, foram transportados em padiola improvisada até à picada, depois numa Berliet até à “pista” de Nangololo onde estava à nossa espera o “santo” helicóptero Allouete III que levou os feridos até Mueda e depois Nampula. Diga-se que o Allouete III das evacuações estava estacionado em Porto Amélia, a uma hora de vôo do teatro de operações.
Mais histórias haveria para contar...