Newsletter da SPEDM

A Endocrinologia e Eu - Margarida Bastos

A Endocrinologia e Eu
Ed.
Julho 2022

A Medicina Transgénero (TG) é desafiante, controversa e mediatizada. Fui sensibilizada para o tema pela formação pré-graduada em Sexologia (FMC 1975). A sua complexidade exige a promoção da formação pré e pós-graduada de médicos e outros profissionais de saúde.

As pessoas transgénero (TG), constituem um amplo espectro de indivíduos que se identificam com género diferente do biológico. Desconhecemos a sua etiologia e epidemiologia. Tem havido um aumento exponencial.

Ao longo dos anos surgiram diretrizes científicas que evoluíram na definição de transgénero, denominação e classificação (1-6).

Historicamente destacamos algumas datas:

- Em 1975 iniciou-se a Consulta de Sexologia e Ginecologia Psicossomática (HUC- Dr.  Allen Gomes);

- Em 1984, efetuou-se a primeira mudança legal de sexo em Portugal (Transexual F-M);

- Em 1996 a Ordem dos Médicos autoriza os médicos a executarem cirurgias de mudança de sexo;

- O livro “A Rapariga Dinamarquesa” (David Ebershoft 2010) e o filme (2015), deram visibilidade às pessoas transgénero;

- A Lei n. º7/2011, DR, 15 de março cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil;

- A Lei nº 38/2018, DR, 1ª série-Nº 151-7 agosto 2018 confere o direito à autodeterminação da identidade de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa.

As dificuldades sentidas no SNS para as pessoas transgénero, motivaram o Dr. Reis Marques a promover a criação no CHUC (2011) da Unidade de Reconstrução Génito-Urinária e Sexual (Psiquiatria, Psicologia, Endocrinologia, Ginecologia, Urologia e Cirurgia Plástica) (URGUS). Esta, viu reconhecida a sua especificidade pela Circular Informativa Conjunta N.º 27/2017/ACSS/DGS, de 19-10-2017.

É consensual, que o diagnóstico de pessoa TG é da competência da saúde mental. A endocrinologia tem como objetivos o diagnóstico de endocrinopatias, a preservação da fertilidade, a reafirmação hormonal se desejada e a sua vigilância.

Na abordagem da transexualidade em idade pediátrica tem havido controvérsia (Suécia, UK, França, USA). É indispensável o acompanhamento psicológico dos jovens e famílias. Mantenho a objeção de consciência para intervenções farmacológicas e cirúrgicas demasiado precoces.

Durante a permanência na URGUS (2011-2020) realizámos atividade clínica, elaboração de protocolos, publicações, formação pré e pós-graduada em colaboração com a OM, Sociedades Científicas e Associações de Utentes.

Destas destaco:

- O I Simpósio sobre Transexualidade/Disforia de Género (Coimbra, 25-11-2017);

- Endocrine Approach in Gender Dysphoria: The Experience in a Reference Centre. D. Martins, M. Bastos, S. Paiva, C. Baptista, L. Fonseca, G. Santos, F. Falcão, G. Carvalho, S. Campos, F. Rolo, P. Temido, P. Azinhais, C. Diogo, S. Pinheiro, S. Ramos, F. Carrilho. Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2019;14(1): 40-45;

- Colaboração na “Norma de Intervenção em Pessoas Transgénero e Intersexo” da DGS.

Atualmente, são responsáveis na Endocrinologia-URGUS as Dra. Sandra Paiva e Dra. Luísa Ruas.

À Endocrinologia da transexualidade colocam-se vários desafios, nomeadamente: integrar os centros multidisciplinares em todos os níveis de prestação de cuidados (SNS, social e privado); promover a transição da idade pediátrica e a vigilância endocrinológica ao longo na vida; fomentar a investigação nesta área; elaborar diretrizes para a destransição (embora minoritária) e promover o relacionamento com as Associações de utentes.

Foi gratificante poder colaborar numa área tão sensível da medicina. Mas, apesar de todas as directrizes e guidelines, como endocrinologista, senti a falta de evidência científica  nalgumas  áreas da transexualidade endocrinológica. É urgente a criação de grupos de estudo no âmbito das universidades e sociedades científicas que possam promover maior investigação científica nacional.

 

Leituras recomendadas

  • World Professional Association for Transgender Health (WPATH). Standers of Care (SOC) for Health of Transexual, Transgender and Gender Nonconforming People, Version 7, 2011. Htt://www.wpath.org
  • American Psychiatric Association. Diagnosis and Statistic Manual of Mental Disorders (DSM-5), 2013
  • WHO. International Classification of Diseases 2018 (ICD11);
  • Endocrine Treatment of Gender-dysphoric/Gender Incongruent Persons. Wylie C Hembree et al. J Clin Endocrinol Metab. 2017; 102(11):3869-3903;
  • Endocrinology of Transgender Medicine. Guy T’Sjoan et al. Endocrine Reviews 2019; 40:97-117
  • AACE Position Statement: Transgender and Gender Diverse Patients and the Endocrine Community. Joshua Safer et al. https://www.aace.com/March 2022.