A vontade de fazer a especialidade de Endocrinologia e Nutrição nasceu no 2º ano da faculdade, nas aulas de bioquímica, e tornou-se uma vontade consolidada durante o 5º ano, nas aulas de Endocrinologia. Em 2003 estava a terminar o curso no ICBAS-UP e ia começar o Internato Geral. Lembro-me de pensar que o período da especialidade seria ideal para uma experiência no estrangeiro, de partilhar outras formas de organização e de pensamento e fazer um doutoramento, se possível. Não o tinha feito durante o curso e sabia que não o faria quando o caminho profissional já estivesse a ser trilhado em Portugal. Depois de longas conversas com familiares e amigos, decidi que tudo faria para ingressar na especialidade de
Endocrinologia e Nutrição na Clinica Universidad de Navarra, em Pamplona, Espanha.
Depois de terminado o Internato Geral, organizei toda a documentação oficial requerida, aprendi espanhol e preparei o exame nacional espanhol de acesso à especialidade. Menos de um ano de intensíssimo trabalho depois conseguia cumprir o meu objetivo: era interna da especialidade de Endocrinologia e Nutrição na Clínica Universidad de Navarra.De forma geral, a especialidade nos dois países está organizada de forma semelhante. Lá eram quatro anos e não cinco. Geralmente, nos hospitais públicos o primeiro ano era de Medicina Interna, embora na Clínica e, apesar de fazermos SU de Medicina 24h/ semana, o resto do horário era já passado na enfermaria e consulta de Endocrinologia. Nos 3 anos restantes, cumpríamos os estágios obrigatórios e opcionais, que também são bastante parecidos com os estabelecidos aqui.
Uma diferença importante é a relevância dada à Nutrição Clínica durante a especialidade. O estágio é obrigatório por um período mínimo de 3 meses e há Endocrinologistas cujo trabalho principal é a nutrição dos pacientes internados que precisam de nutrição entérica ou parentérica. Nas equipas há dietistas e nutricionistas, mas o Endocrinologista assume um papel fundamental na gestão da informação e da decisão clínica.
Outra diferença importante é a existência de um "tutor de formação", que aqui seria como um orientador, mas que lá é o mesmo para todos os internos do Serviço que vão sendo distribuídos, no nosso caso por períodos de 6 meses, pelas diferentes consultas dos Serviço. Esta organização, permite que todos os internos aprendam com os diferentes especialistas que se dedicam às diferentes áreas. A cada três meses, todos os internos reuniam com o tutor para avaliar o desempenho e fazer o plano para os três meses seguintes.
Eramos três internos sempre no Serviço, porque havia um que estava em estágios, e tínhamos que dar apoio a toda a Clínica (cerca de 400 camas), em regime presencial da 09-19h e à chamada no restante horário. Isto significava que de três em três semanas tínhamos um telemóvel e, além do apoio aos doentes internados, dávamos também apoio ao SU, onde todos os doentes com patologia endocrinológica eram avaliados por nós. Nas semanas que não estávamos de apoio tínhamos três horas por dia protegidas para estudo e produção científica.
Nas reuniões de serviço os internos apresentavam um fármaco, um protocolo ou um caso clínico de 3/3 semanas, a revisão de um artigo a cada mês e uma revisão monográfica a cada 6 meses.
A organização de tudo era exemplar, não havia dúvidas do que esperavam de nós e o trabalho que tínhamos que desenvolver para o conseguir.
Durante a especialidade davam-nos a oportunidade de iniciar um doutoramento numa área da nossa preferência. Lembro-me do dia em que o responsável da área da Diabetes me chamou ao seu gabinete, nas vésperas de Natal do meu primeiro ano, e me convidou para doutorar-me em Diabetes. Aceitei no momento, o que significou que os anos seguintes foram passados entre a Clínica e o laboratório. Ter a oportunidade de começar o doutoramento, que terminou 7 anos depois, durante a especialidade foi, sem dúvida, uma mais-valia, pois é um período em estamos totalmente focados na aprendizagem e com um espírito de sacrifico único. Passar as noites no hospital ou os sábados no laboratório, como fiz durante a especialidade, foram sacrifícios que, neste momento, já não me veria a fazer. Foi uma experiência única e enriquecedora tanto do ponto de vista profissional como pessoal.