DEIXAMOS DE TER O CICLO DA LUZ E DA SOMBRA?
Calcula-se que as primeiras células terão aparecido há cerca de 3,8 a 3,7 mil milhões de anos. Mas lá na água, onde elas surgiram, não se sabe se a luz e a noite ocasionada pelos circuitos imparáveis do planeta terra que se soltara do Sol e à volta dele andava, teriam influência sobre o seu funcionamento. Julga-se que as primeiras formas de vida do fitoplâncton aquático já produziam vitamina D e ela servia para muitas funções. Já dependeria do sol, que incidia naquela superfície de alimento e reprodução? Viria a ter muita importância, quando milhões de anos mais tarde os anfíbios puseram a cabeça e andaram em terra, esqueletos fortes e mais tarde com um terceiro olho, que via para trás, acautelando o perigo. Deixaram-nos como herança a epífise e os seus mensageiros, as suas hormonas, tão sensíveis à luz e à sombra, mas também ao apetite.
O que é certo é que há muitos milhares de anos, quando os hominídeos se puseram em cima dos pés, deixaram a selva, e caminharam na savana a olhar ao longe, passaram a ser regulados definitivamente pela noite e o dia. Assim descobriam inimigos ao longe e observavam abrigos para quando vinha a noite. E a homeostase, que se vinha adaptando ao ambiente, estabeleceu-se nesse ser já tão evoluído, que veio a fazer ferramentas e a encontrar formas de comunicação dentro do grupo. E assim ficámos, tal como somos, há pelo menos 400 a 300 mil anos. Com os nossos ciclos de melatonina regulados pela luz, com o cortisol a subir e a descer conforme as horas do dia, com os músculos e o seu metabolismo, todo um organismo regulado por tempos ancestrais, desde que a vida é vida e anda às voltas do sol.
Mas eis que há um pouco mais de cem anos é inventada a luz eléctrica! Alegria nas ruas à noite quando substituiu a iluminação a gás. Alegria nas casas que acabaram com o candeeiro a petróleo. As que acabaram… E alegria para os industriais que bem pensaram que se a fábrica trabalhava do nascer ao pôr-do-sol, porque não havia de trabalhar vinte e quatro horas!? E aparecem as primeiras fotografias de grandes edifícios de fábricas com as janelas iluminadas durante a noite. Nunca mais parou. O trabalho e a vida deixaram de se regular pelo sol. Passou a chamar-se jantar ao que era ceia e inventou-se o nome pequeno-almoço para a refeição da manhã, que se chamava almoço, nomes que perduraram nos romances dos nossos autores do século XIX.
E nós? Será que mudaram os ciclos das nossas hormonas? Parece que não. A epífise engana-se e deixa-se enganar. O cortisol anda para aí a enganar-se pelos sustos. O apetite sofre uma compulsão quando o sol se põe. Seremos um animal mutável? Ou não? É que para baralhar, ainda por cima há os noctívagos. E há os que fazem turnos e o organismo não dá a volta em 24 horas.