Newsletter da SPEDM

Mensagem da Equipa Editorial - Paula Freitas

Mensagem da Equipa Editorial
Ed.
Julho 2022

Desafios da Medicina Transgénero em Portugal

A Equipa Editorial da Newsletter Endocrinologista reúne sempre no período noturno e apesar do cansaço de todos, após um longo dia de trabalho é sempre um prazer discutir e partilhar ideias entre todos para a construção da próxima edição. Depois de alguma discussão elegemos o tema da Medicina Transgénero para este número. A nossa ideia era ter uma visão abrangente e multifacetada desta complexa entidade que tem vindo a aumentar a sua prevalência em todo o mundo e em Portugal. No entanto, os dados existentes provavelmente ainda subestimam a real prevalência desta entidade, uma vez que apenas se consideram os indivíduos que procuram assistência médica. Outro aspeto é que os diagnósticos associados à Medicina Transgénero foram várias vezes revistos ao longo dos anos, tendo-se verificado um esforço no sentido da despatologização da variabilidade de género, e foram sendo usadas diferentes terminologias. O diagnóstico de disforia de género é um processo moroso, complexo e rigoroso, que deve ser realizado por uma equipa multidisciplinar. Tal como noutras entidades complexas, as equipas multidisciplinares são fundamentais para o acompanhamento médico e cirúrgico das pessoas transgénero que deve estar enquadrado num plano de cuidados abrangente, que contemple todo o processo clínico (médico e cirúrgico) de mudança ao longo do tempo e garanta coordenada interdisciplinaridade e articulação entre as diversas especialidades envolvidas (psicologia, psiquiatria, endocrinologia, cirurgia plástica e reconstrutiva, urologia, ginecologia), antes, durante e após intervenções médico-cirúrgicas. Ou seja, é necessário um acompanhamento durante toda a vida quer no que diz respeito aos tratamentos quer às especificidades dos rastreios, nomeadamente os oncológicos. E ainda é necessário a discussão acerca da preservação de futura fertilidade, se desejada (ex. da biópsia testicular com subsequente criopreservação e criopreservação de oócitos ou embriões).

Em suma, a disforia de género tem um grande impacto na qualidade de vida dos transexuais e a sua complexidade exige uma intervenção multidisciplinar realizada por uma equipa motivada, sensibilizada e experiente. Por isso, decidimos ter a perspetiva da Psiquiatria, da Endocrinologia e da Cirurgia e ainda convidar a Dra. Margarida Bastos para fazer uma “Reflexão histórica sobre o passado da Medicina Transgénero em Portugal” no “A Endocrinologia e eu”, já que tem uma vasta experiência nesta entidade, desde 1975. Claro, que para além da perspetiva médica existem aspetos, como os sociais, legais e políticos que têm influenciado ideias sobre a disforia de género. Ao longo dos anos, também houve uma evolução da linguagem, conceitos e definições na área da transexualidade e do transgénero, com alguns termos que hoje são considerados desadequados ou ofensivos. Para isso, tanto a academia como o ativismo e associações de transexuais tiveram um papel importante. Também não podemos esquecer a discriminação e exclusão social que incide sobre as pessoas trans: insultos, violência, bem como dificuldades no acesso à saúde, educação, emprego, ou a segurança. A discriminação, a exclusão social e o estigma têm um impacto significativo no bem-estar físico, psicológico e social das pessoas trans. Esta população tem sido sinalizada como em maior risco para problemas de saúde mental, tais como depressão, ansiedade, fobia social, abuso de substâncias ou perturbações alimentares.

Por último, o aspeto legal do reconhecimento do género. Antes de 2011 existia em Portugal um vazio legal e incerteza jurídica face ao reconhecimento legal da identidade das pessoas trans. O reconhecimento legal tem impacto no bem-estar das pessoas trans, na integração social, no sentimento de pertença na sociedade, na afirmação do próprio género e no sentimento de segurança. A Equipa Editorial deseja-lhe “boas leituras”.