Que papel pode ter a inteligência artificial na abordagem do nódulo tiroideu?
Alguém disse que a diferença entre o Google e Deus, é que ambos têm resposta para tudo, mas só o motor de busca a consegue fornecer em 5 segundos! Pois a Inteligência artificial (IA) está a potenciar de forma impressionante o tipo de respostas que obtemos face a diversos problemas, incluindo os de saúde. Façam o exercício de perguntar ao Chat GPT se um nódulo tiroideu sólido isoecoico de 15 mm deverá ser selecionado para citologia, e ficarão surpreendidos por verificar que as respostas fornecidas são muito aproximadas às que um médico interno de endocrinologia daria num exame de especialidade.1 Além disso, surpreendentemente, as respostas fornecidas mostram um grau de “bom senso” que nem sempre conseguimos quando atendemos às dúvidas dos doentes! Exposto isto, é altura de dizer que as respostas obtidas não são isentas de imprecisões, como por exemplo indicar que o cancro da tiróide é mais comum abaixo dos 40 anos, coisa que os relatórios de incidência de cancro da tiróide dos EUA desmentem.2 Além disso, duvido que qualquer inteligência artificial consiga avaliar adequadamente a importância e origem das queixas de desconforto cervical inespecífico, que tantos doentes com nódulos tiroideus de dimensão irrelevante hipervalorizam.
Mas entrando a sério no assunto, partilharei de forma sucinta alguma evidência sobre o emprego de ferramentas de IA na avaliação da patologia nodular da tiróide. As primeiras ferramentas de IA, permitem um diagnóstico assistido por computador (CAD) em que o programador define previamente as características de suspeição imagiológica (presença de microcalcificações, etc.). Choi et al, utilizaram um sistema de CAD para o diagnóstico de imagens ecográficas num total de 102 nódulos tiroideus (malignos e benignos). O sistema CAD mostrou sensibilidade semelhante a um radiologista experiente (90,7 vs 88,4%) mas menor especificidade (74,6 vs 94,9%).3
Os sistemas de Deep Learning (DL) são mais complexos. Precisam de input de centenas de imagens de lesões previamente categorizadas como benignas e malignas para permitir uma “aprendizagem” ou educação do algoritmo. A título de exemplo, num estudo publicado na Thyroid em 2020, imagens de ecografia de 482 nódulos da tiróide de doentes submetidos a biópsia ou cirurgia, foram usadas para criar modelos de IA. Posteriormente, esses modelos foram aplicados a 103 nódulos da tireoide submetidos a biópsia ou cirurgia. Os resultados mostraram um valor preditivo negativo (VPN) do modelo de similaridade de imagem de 93,2%. A sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e precisão do modelo foram 87,8%, 78,5%, 65,9% e 81,5%, respectivamente. Quando comparado com os resultados de sistemas de estratificação de risco de cancro da tiróide, este modelo de similaridade de imagem apresentou um VPN comparável, mas com melhores sensibilidade, especificidade e VPP.4
Outro modelo de DL (ThyNet), foi comparado com a performance de radiologistas na avaliação de imagem ecográfica de nódulos tiroideus, mostrando acuidade diagnóstica na diferenciação entre nódulos benignos e malignos ligeiramente superior à humana. Seguidamente demonstrou-se que a utilização da AI no auxílio de radiologistas, permitiu também melhorar a acuidade diagnóstica dos últimos. Num cenário clínico simulado, a utilização desta ferramenta DL permitiu reduzir o número de citologias de 61,9% para 35,2%, e o número de carcinomas não diagnosticados reduziu-se de 18,9% para 17%. 5
Todavia, perante nódulos de risco intermédio (EU-TIRADS 4 e equivalentes) e quando casos de carcinoma folicular da tiróide são introduzidos nos ensaios, as ferramentas de IA têm revelado também algumas limitações na sua acuidade diagnóstica! Sistemas semelhantes têm sido empregues também na avaliação de amostras citológicas. Guan et al, utilizaram sistemas de IA para distinguir entre citologias de carcinoma papilar e benignas. O sistema VGC-16 alcançou sensibilidade de 100% e especificidade de 94,1% nesta tarefa! Estes são apenas alguns exemplos da potencialidade destas ferramentas.
Para concluir, parece-me que não estamos (ainda) em condições de entregar aos Robots a distinção entre nódulos tiroideus benignos e malignos, mas lá que as ferramentas de IA podem ajudar bastante, parece evidente que sim.
Bibliografia:
- OpenAI. GPT-3.5. Retrieved from https://chat.openai.com/. (Accessed: 1-10-2023).
- Hyeyeun Lim, et al. Trends in Thyroid Cancer Incidence and Mortality in the United States, 1974-2013. JAMA abril, 2017.
- Choi YJ, et al. A Computer-Aided Diagnosis System Using Artificial Intelligence for the Diagnosis and Characterization of Thyroid Nodules on Ultrasound: Initial Clinical Assessment. Thyroid 2017;27:546-52.
- Thomas J and Haertling T. AIBx, Artificial Intelligence Model to Risk Stratify Thyroid Nodules. Thyroid 2020.
- Peng Sui, et al. Deep learning-based artificial intelligence model to assist thyroid nodule diagnosis and management: a multicentre diagnostic study. Lancet. April 2021.Vol 3 (4).
- Chai Y, et al. Artificial intelligence for thyroid nodule ultrasound image analysis. Annals of Thyroid, Jun 2020.
- Guan Q., et al. Deep Convolutional Neural Network VGG-16 Model for Differential Diagnosing of Papillary Thyroid Carcinomas in Cytological Images: A Pilot Study. J. Cancer. 2019;10:4876–82.