Newsletter da SPEDM

Tema de Capa - Cancro da Tiroide - Perspetivas para os Próximos Anos

Tema de Capa
Ed.
Abril 2022

O cancro da tiróide (CT) apresenta um largo espectro de fenótipos que vão dos inofensivos microcarcinomas papilares, de poucos milímetros, aos carcinomas muito agressivos, como sejam os carcinomas anaplásicos (CAT), cuja mediana de sobrevivência específica após o diagnóstico é de apenas 2 meses na casuística do IPO de Lisboa (Cancers, Basel 2019;15;11(8):1188). Provavelmente, serão os extremos deste espectro, os microcarcinomas e os tumores agressivos, que irão estar em foco, nos próximos anos. No caso dos microtumores papilares é bem conhecida a incidência “pandémica” destes “carcinomas” que tem ocorrido nos países desenvolvidos, incluindo Portugal onde o CT já é a 3º neoplasia mais frequente nas mulheres (https://www.ipoporto.pt/dev/wp-content/uploads/2019/03/registo-oncol%C3%B3gico-norte.pdf). Dada a “benignidade” de comportamento clínico dos microcarcinomas têm sido implementados, com sucesso, por exemplo no Japão (World J Surg, 2010;34:28–35), programas de vigilância ativa que têm demonstrado que a larga maioria destes tumores se mantém estável ao longo dos anos. A adesão a estes programas está diretamente relacionada com o tipo de informação que é fornecida aos doentes antes da biópsia e ao longo das consultas de seguimento, assim como uma atitude de suporte e disponibilidade da parte do médico-assistente (JAMA Otolaryngol Head Neck Surg 2021 Jan 1;147(1):77-84.  doi: 10.1001/jamaoto.2020.4200.). Não sei se em Portugal este tipo de abordagem será praticável, mesmo em centros de referência, dado o acompanhamento exigente a que obriga, a escassez de médicos especializados nesta área e o contexto cultural onde nos inserimos.

Iremos ainda assistir a cirurgias menos agressivas (lobectomias) para os tumores <10mm ou mesmo para os tumores até 40mm e à não utilização de iodo radioactivo (131I) nos casos com baixo risco de recidiva, uma vez que a evidência atual, baseada em estudos retrospetivos, não tem demonstrado benefícios do 131I nestes casos. A este propósito, é importante referir que estão em curso 2 estudos prospetivos (Estimabl 2 e IoN) que pretendem avaliar a eficácia do 131I nos tumores de baixo risco. Os dados do Estimabl2 conhecidos até à data reportam, ao fim de 3 anos de seguimento, não existirem diferenças nos “outcomes” entre doentes tratados e não tratados com 131I (Journal of the Endocrine Society 2021;5, Suppl_1, pg A875). 

Uma alternativa terapêutica para os microcarcinomas, que poderá tornar-se mais generalizada, será a terapêutica térmica, por exemplo a radiofrequência (JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. online February 10, 2022. doi:10.1001/jamaoto.2021.4381), que tem demonstrado eficácia e será potencialmente muito atrativa sobretudo em instituições com fins lucrativos. Atente-se que, de qualquer forma, estamos a discutir opções terapêuticas de nódulos subcentimétricos que segundo as diretrizes internacionais não deveriam ser objeto de citologia diagnóstica….

Agora o que é realmente importante divulgar são os sucessos terapêuticos quase “milagrosos” que se têm verificado nos CAT, fruto dos avanços ocorridos no conhecimento das alterações moleculares subjacentes a estes tumores. Quem, como eu, tem assistido, ao longo dos anos, à impotência dos médicos em tratarem a maioria destes tumores com métodos minimamente eficazes é totalmente disruptivo o que se tem conseguido nos últimos anos com esta terapêutica de “precisão”. Por exemplo, nos 9 doentes com CAT com mutações do BRAF tratados no IPO, a mediana de sobrevida desde o diagnóstico para estes 9 doentes (à data de fevereiro de 2022) é 527 dias, quando a mediana histórica no IPO de Lisboa era de apenas 60 dias! No entanto, é preciso ter em consideração que as células neoplásicas podem adquirir resistência a estes tratamentos dirigidos e que uma parte significativa dos CAT não tem, pelo menos por enquanto, mutações acionáveis.