A manutenção da saúde do organismo depende de interações temporalmente alinhadas e altamente coordenadas entre vários sistemas, incluindo os sistemas imune, nervoso e endócrino, face a um ambiente externo em constante mudança. A disrupção destas intrincadas interações está no centro de uma ampla gama de patologias inflamatórias, metabólicas, sistêmicas e oncológicas e é um fator crescente de morbidade e mortalidade na sociedade moderna.
O meio ambiente, o estilo de vida moderno e a dieta são importantes modeladores dos nossos ritmos circadianos e conhecidos fatores de risco para várias doenças. De facto, vários estudos têm associado estilos de vida que perturbam os nossos ritmos circadianos endógenos – devido a stresse, jet lag, trabalho por turnos, alterações na composição e nos horários das refeições - à progressão de doenças inflamatórias, metabólicas e oncológicas.
Usando o ratinho como modelo animal, a minha investigação procura desvendar os circuitos fisiológicos pelos quais sinais ambientais externos são integrados e comunicados entre vários sistemas - imune, nervoso e endócrino - estabelecendo eixos de comunicação circadiana que influenciam o funcionamento do nosso sistema imune e a fisiologia de tecidos e órgãos, em contextos de saúde e doença. Combinando modelos genéticos de disrupção de genes relógio com avançadas metodologias de microscopia, transcriptómica e proteómica, descobrimos que uma população de linfócitos inatos residentes no intestino – as células linfóides inatas do grupo 3 (ILC3) – possuem o seu próprio relógio biológico e oscilam de forma circadiana. A eliminação de um gene relógio especificamente nesta população imune resultou numa dramática redução do número destas células no intestino e na disrupção das suas funções de manutenção da integridade do epitélio intestinal, de regulação do microbioma, de defesa face a infeções entéricas e de regulação do metabolismo lipídico. Curiosamente, as ILC3 integram e respondem a sinais locais (intestinais) e sistêmicos de forma distinta e hierárquica. Embora os ritmos de alimentação e sinais derivados da microbiota influenciem o relógio das ILC3, os ciclos de luz/escuro são os sinais preponderantes na regulação dos seus ritmos. Sendo os sinais de luz/escuro integrados pelo relógio biológico central - o núcleo supraquiasmático - localizado na base do hipotálamo, verificámos que a desregulação dos ritmos cerebrais, induzida por via cirúrgica e genética, levou a uma desregulação dos ritmos das ILC3 intestinais, das oscilações do microbioma e dos genes envolvidos no metabolismo lipídico. Este estudo revelou um circuito circadiano cérebro-intestino através do qual sinais ambientais de luz são integrados pelas ILC3 intestinais, influenciando a fisiologia e saúde intestinal, o metabolismo lipídico e a homeostasia do organismo. Ao desvendar um circuito circadiano que é um elo essencial entre sinais de luz diurna, sinais cerebrais, a função das ILC3, a fisiologia intestinal e a homeostasia do hospedeiro, este estudo contribui para uma melhor compreensão da forma como perturbações circadianas nos seres humanos estão associadas ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais e metabólicas.
Atualmente, estou a liderar um projeto que procura desvendar de que forma o stress psicológico e circuitos circadianos neuro-endócrinos afetam respostas imunes inatas do tipo 2 (ILC2) e a fisiologia pulmonar. Este tipo de resposta imune é de extrema relevância em contextos de alergia, asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, infeções respiratórias virais e na resposta anti-tumoral. Os nossos resultados indicam que o cortisol, cuja secreção é regulada de forma circadiana pelo eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), é um potente sinal de sincronização circadiana para as ILC2 pulmonares, contrariamente a sinais neuronais derivados do sistema nervoso simpático, parassimpático ou sensorial. Com este estudo, pretendemos desvendar de que forma circuitos fisiológicos induzidos por stress afetam as repostas imunes inatas do tipo 2 e a progressão de doença.
O objetivo final da minha investigação, na fonteira da Imunologia, Fisiologia Circadiana e Neuro-endocrinologia, consiste em explorar o potencial de direcionar os eixos circadianos imunológicos como uma nova estratégia para restaurar a fisiologia e a saúde dos tecidos e, assim, proporcionar novas abordagens terapêuticas no contexto de doenças inflamatórias, metabólicas e oncológicas.