Ritmo circadiano e hormonas - a visão da Endocrinologia
A forte associação entre o ritmo circadiano, a homeostasia hormonal e o metabolismo energético foi particularmente trazida à luz durante as duas últimas décadas.
Nesse sentido, um número significativo de dados tem demonstrado que a ingesta calórica excessiva, as alterações de ritmo decorrentes do trabalho por turnos, da exposição inadequada à luz e da ingestão alimentar durante o período noturno, podem ser consideradas como triggers relevantes para a disrupção do ritmo circadiano, com múltiplas consequências metabólicas e endócrinas associadas, em particular, aumento do risco de obesidade, de diabetes mellitus, patologia cardiovascular e cancro.
Do ponto de vista funcional, o pacemaker central de controlo circadiano localiza-se no núcleo supraquiasmático do hipotálamo (NSQ). Através do trato retino-hipotalâmico, a entrada de luz é transmitida das células ganglionares na retina para o NSQ, sendo transmitida esta informação às células e tecidos periféricos, mediante sinalização neural e humoral. O impulso positivo para o ritmo diário é constituído por dois fatores de transcrição codificados pelos genes relógio Bmal1 e Clock. Estes formam complexos heterodiméricos que controlam a transcrição de outros genes relógio denominados Period (Per1/Per2/Per3) e Cryptochrome (Cry1/Cry2), que por sua vez fornecem um sinal de feedback negativo. A nível celular, esta ritmicidade de transcrição e tradução genética é responsável pelo momento adequado da síntese proteica, degradação proteica, reparação de danos no DNA, síntese de DNA e bioenergética mitocondrial. Qualquer alteração neste mecanismo preciso iniciará um desalinhamento, com o potencial de condicionar múltiplos efeitos metabólicos e distúrbios da produção hormonal.
Para além do referido, foi demonstrado que várias hormonas apresentam oscilações diárias. Entre os exemplos mais bem estudados, estão os fatores endócrinos cuja produção é regulada pelo eixo hipotálamo-hipófise, tais como cortisol, hormona de crescimento, prolactina, hormona tiroideia e esteroides gonadais. Os níveis circulantes de hormonas sensíveis aos nutrientes (insulina, adipocina, leptina e grelina), assim como a produção de melatonina, variam em parte em resposta a fatores ambientais ou comportamentais, tais como ciclos de jejum-alimentação e luz-escuro, que normalmente ocorrem num padrão dependente do tempo diário.
A modulação funcional do relógio circadiano através de medidas de crononutrição, exercício físico ou mediante tratamento farmacológico, poderá oferecer uma alternativa para prevenir ou inverter os distúrbios de ritmo e consequências associadas. Alguns cronobióticos foram já avaliados em estudos animais e humanos, tendo sido objetivados não só modificação do padrão circadiano de genes relacionados com o metabolismo mas também inibição da gluconeogénese, demonstrando potencial utilidade terapêutica na obesidade e na diabetes.
Apesar de vários estudos terem condicionado um importante vislumbre sobre a relação entre as alterações de ritmo circadiano e distúrbios endócrinos e metabólicos, vários pontos encontram-se ainda sob investigação e novos avanços são essenciais não só para aumentar o conhecimento científico nesta área, mas também para melhorar a saúde pública. Assim, novas políticas de saúde destinadas a sensibilizar a população para os riscos de um ritmo de vida irregular, deficiente higiene do sono, juntamente com padrões dietéticos hipercalóricos, que interagem com o funcionamento molecular circadiano, poderão revelar-se úteis para combater a pandemia crescente das patologias metabólicas.