Em 2009, como jovem especialista de Endocrinologia, foi-me proposto ir trabalhar para a indústria farmacêutica para dar apoio científico a um novo inibidor da DPP4 que tinha acabado de ser lançado.
Aceitei este desafio pelo desejo de estar envolvido nos últimos avanços científicos na minha área médica de eleição, pela possibilidade de ter acesso fácil a reuniões científicas internacionais e pela oportunidade de trabalhar com peritos, internos e externos, que eram líderes na sua área. Não seria honesto deixar de fora os incentivos financeiros e, sobretudo, a possibilidade de não fazer turnos na urgência geral, noturnos e em dias descanso, que na altura representavam uma sobrecarga significativa para mim. Naquela altura, o que fechou a minha decisão foi a possibilidade que a companhia me deu (e que continua a dar a muitos colegas), de manter para além de atividade privada, a minha atividade clínica hospitalar em, pelo menos, um período por semana.
Aquilo que começou como uma experiência de 6 meses, rapidamente se tornou algo pelo qual eu me apaixonei! Tive a oportunidade de trabalhar em proximidade com um colega da estrutura internacional que foi um dos co-investigadores que identificaram a função da enzima DPP4 (di-peptidil peptidase 4) na homeostasia glicémica. Foram anos de trabalho produtivo em que aprendi muito. Este foi o melhor exemplo, mas não o único, do que foi viver e respirar a mais recente ciência na minha área. Por outro lado, como endocrinologistas, o nosso trabalho tende a ser mais solitário, individual do que alguns dos nossos colegas. Na minha companhia, todos os dias trabalhava com colegas de outras áreas, farmacêuticos, especialistas em marketing e vendas, especialistas em assuntos regulamentares, relações públicas, advogados, etc. O trabalho era intenso, mas sempre em grupo e sempre a “remar para o mesmo lado”. Havia verdadeiramente um espírito de equipa e um espírito de missão.
Trabalhar na indústria como médico não é diferente do trabalho assistencial no seu aspeto mais central de ajudar pessoas a viverem vidas mais longas, mais saudáveis e com maior qualidade de vida. Ao longo dos anos estive envolvido no desenvolvimento e execução de estudos, divulgação e educação de profissionais de saúde não só acerca de fármacos, mas também de aspetos importantes da área médica como o diagnóstico, avaliação e estratificação de risco. Educação e “empowerment” (capacitação) de pessoas portadoras de doença e dos seus familiares foi algo que me orgulhei de fazer.
Em 2016, tive a oportunidade de trabalhar numa área geográfica distinta de Portugal, que incluía a maior parte da Ásia e Oceânia. Mudei-me para Singapura e durante os anos seguintes tive a experiência extraordinária de vivenciar culturas muito diferentes da nossa. Posteriormente, acabei por voltar para a Europa e abraçar um novo desafio numa nova área: primeiro nas doenças respiratórias e, mais recentemente, na COVID-19. Atualmente, sou responsável por medicamentos que foram desenvolvidos pela minha companhia para a COVID-19 para parte da Europa, África e Médio-Oriente.
Não seria justo terminar sem confessar que sinto e sempre senti falta da interação com os doentes e outros colegas num contexto puramente clínico. Mesmo naqueles “infernais” turnos no serviço de urgência havia o sentimento de ajudar pessoas de uma forma muito direta e imediata.
A vida é cheia de surpresas como Carlos da Maia disse no final d’Os Maias: “falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou na imaginação. “Vou ser assim porque a beleza está em ser-se assim”. E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado (…). Ás vezes melhor mas sempre diferente”
A minha vida é de facto muito diferente daquela que eu imaginei quando acabei a faculdade, mas diferente não é de todo pior: simplesmente diferente!