Diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica, crônica e prevalente. Em Portugal, a taxa de prevalência da Diabetes é superior a 13,5% [1], sendo que este número tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos, e acompanha a tendência mundial [2]. Aproximadamente 10% das pessoas com diabetes estão diagnosticadas com diabetes tipo 1, cujo tratamento se baseia em administração exógena de insulina através de vias invasivas e dolorosas, o que frequentemente dita a baixa adesão do paciente.
Após o início do uso terapêutico da insulina animal na década de 20, nos anos 80 surgiram as formulações de insulina recombinante e dispositivos de administração alternativos às convencionais seringas. A primeira caneta injetora, NovoPen®, foi posteriormente aprimorada pela Novo Nordisk (FlexPen®), e pela Sanofi-Aventis (SoloStar®) [3]. Posteriormente, foram propostos os dispositivos de perfusão subcutânea contínua de insulina, conhecidas como bombas de infusão (Omnipod e V- Go). Contudo, todos os sistemas propostos se baseiam na administração invasiva, com o desconforto inerente. Alternativas para administração bucal, nasal, pulmonar e a oral, têm sido propostas. De entre os produtos inaláveis que chegaram a ensaios clínicos, apenas dois foram aprovados pela FDA: Exubera em 2006 e Afrezza em 2014. O Exubera da Pfizer foi descontinuado em 2007 devido a fracasso comercial. O Afrezza®, produzido pela MannKind, é atualmente usado na clínica nos EUA, mas carece de aprovação na Europa, onde se encontra na fase III de ensaios clínicos. O spray nasal NasulinTM da CPEX Pharmaceuticals, contém bucais, o Oral-lynTM da Generex Biotechnology, foi já aprovado em alguns países fora da Europa e EUA.
Um esforço global tem sido feito, por parte da indústria farmacêutica e grupos de investigação, no desenvolvimento de formulações orais. A NovoNordisk em colaboração com a Merrion Pharmaceuticals, desenvolveram uma tecnologia composta por micelas contendo um análogo de insulina com efeito prolongado. Também a Oramed Pharmaceuticals tem em ensaios clínicos a formulação ORMD-0801, que serve de terapêutica tanto para diabetes tipo 1 como para o tipo 2. Neste caso são utilizadas cápsulas entéricas com inibidores de proteases e promotores de absorção. A Oshadi Drug Administrations desenvolveu uma formulação oral que combina insulina, proinsulina e péptido-C, em fase II de ensaios clínicos.
No nosso grupo de investigação no i3S temos focado o interesse no desenvolvimento de nanoparticulas, transportadores à escala nanométrica com capacidade de incorporar no seu interior quantidades terapêuticas de insulina. Utilizando métodos de produção que podem ser facilmente transpostos para uma escala industrial, as nanoparticulas que desenvolvemos são constituídas por polímeros biocompatíveis, e podem ser revestidas por moléculas com capacidade de reconhecimento por transportadores existentes nas células intestinais. Com a possibilidade de penetrarem através do muco do intestino, e do epitélio, estas nanoparticulas representam uma vantagem adicional de preservar a estrutura da insulina após administração oral e dirigi-la para os locais de absorção [4]. Adicionalmente, as nanoparticulas que desenvolvemos podem ser colocadas no interior de cápsulas convencionais para serem deglutidas.
Tem sido possível validar o potencial das nanoparticulas em melhorar o perfil de absorção intestinal em modelos celulares e em secções de intestino [5] e em modelos animais de diabetes tipo 1 [4]. As nanoparticulas demonstraram uma capacidade de reduzir, até 40%, os níveis de glicemia em animais diabéticos após administração oral, valores que reforçam o potencial e rentabilidade terapêutica desta tecnologia. Estamos a trabalhar no sentido de estabelecer parcerias com indústrias farmacêuticas interessadas na implementação de um estudo clínico.
Os desenvolvimentos da nanomedicina têm, de facto, vindo a abrir novas estratégias usando nanotransportadores eficientes e nanomateriais multifuncionais, com a possibilidade de interagirem especificamente com determinadas células do epitélio absortivo, capazes de ultrapassar as barreiras biológicas e melhorar a biodisponibilidade dos fármacos antidiabéticos.
Referências
1. Diabetologia, S.P.d., Diabetes: Factos e Números – O Ano de 2016, 2017 e 2018 - Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes. 2019.
2. Federation, I.D., IDF Diabetes Atlas 2019. 2019.
3. Easa, N., et al., A review of non-invasive insulin delivery systems for diabetes therapy in clinical trials over the past decade. Drug Discovery Today, 2019. 24(2): p. 440-451.
4. Azevedo, C., et al., Engineered albumin-functionalized nanoparticles for improved FcRn binding enhance oral delivery of insulin. Journal of Controlled Release, 2020. 327: p. 161- 173.
5. Azevedo, C., et al., The potential of porcine ex vivo platform for intestinal permeability screening of FcRn-targeted drugs. European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, 2021. 162(99-104).