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Tema de Capa - O Futuro da Insulinoterapia: Tecnologia na Diabetes

Tema de Capa
Ed.
Julho 2021

A descoberta da insulina marcou o início de uma expedição que tem sido repleta de conquistas impactantes para as pessoas com diabetes. O caminho, nestes últimos 100 anos, foi no sentido de desenvolver tecnologia capaz de manter.

a normoglicemia de forma automática e independente da pessoa com diabetes ou do seu cuidador, ou seja, reduzindo o impacto que a gestão da diabetes tem no dia-a-dia da pessoa com diabetes e das famílias. E estamos cada vez mais perto.

Em 2021, assistimos, em Portugal, à aprovação do primeiro sistema híbrido de ansa fechada, um modelo de 2a geração de pâncreas artificial. Este sistema combina um dispositivo de perfusão subcutânea contínua de insulina, vulgarmente conhecido, em Portugal, por bomba de insulina, com um sistema de monitorização contínua da glicose intersticial, em tempo real, e um algoritmo que ajusta automaticamente a administração de insulina basal ao longo das 24h e, por isso, a sua designação de sistema de ansa fechada. O algoritmo tem também a capacidade de efetuar bólus de correção automáticos, mas mantém a necessidade de administração manual do bólus prandial, donde advém a sua designação de sistema híbrido.

É interessante notar que a discussão sobre o futuro tecnológico da diabetes está intimamente dependente da região geográfica onde nos encontramos. O primeiro sistema híbrido de ansa fechada foi aprovado, em 2016, nos EUA. Desde então, temos assistido ao desenvolvimento de novos sistemas híbridos de ansa fechada, que diferem pelo tipo de hardware utilizado (bomba de insulina e sensor) e pelo software empregado (algoritmo). Atualmente, estão disponíveis e em comercialização, em várias partes do Mundo, quatro sistemas deste género e todos estão associados a melhoria significativa do controlo glicémico e da qualidade de vida.

Então, o que é que o futuro reserva para as pessoas com diabetes? A automatização completa da administração de insulina e quiçá de outras hormonas. O caminho para lá chegar obrigará ao desenvolvimento de insulinas mais rápidas, administradas por via subcutânea ou por outras vias; de algoritmos mais inteligentes, por exemplo, através da integração de dados obtidos através de wearables, como a frequência cardíaca, permitindo detetar a realização de atividade física mais precocemente; e de sensores mais precisos e com menor tempo de atraso.

Em paralelo, o futuro reserva também menos intrusão para a pessoa com diabetes, através de desenvolvimento de bombas de insulina e de sensores mais pequenos (exemplo, Tandem t:sport®, Freestyle Libre 3® e Dexcom G7®); ampliação do tempo de duração dos conjuntos de infusão e dos sensores; desenvolvimento de dispositivos para administração conjunta de insulina e medição da glicose, reduzindo o número de punções a que a pessoa com diabetes está sujeita; evolução dos sistemas de monitorização da glicose não invasivos (exemplo, tatuagem/penso transdérmico) e dos dispositivos para administração subcutânea de insulina para formas também cada vez menos invasivas (exemplo, microagulhas); evolução dos interfaces permitindo o controlo remoto da administração automática de insulina através de aplicações no smartphone; e ampliação dos dispositivos interoperáveis, permitindo à pessoa com diabetes personalizar o seu próprio sistema de ansa fechada automático.

A meio do caminho para a automatização completa, o futuro trará, para Portugal, as canetas de insulina com conetividade bluetooth, já disponíveis noutras partes do Mundo, mas que, em breve, serão acopladas a algoritmos inteligentes, que permitirão um nível híbrido de automatização; e as aplicações para determinação do conteúdo das refeições através de uma fotografia, nomeadamente, da quantidade de hidratos de carbono presentes no prato, os chamados food scanners, tão úteis na fase de automatização híbrida em que nos encontramos (ou até mesmo antes).

É importante notar que todos os desenvolvimentos tecnológicos esperados para os próximos anos são baseados na premissa da necessidade de administração exógena de insulina. Contudo, a evolução tecnológica também tem seguido um caminho paralelo que visa a independência insulínica através da terapia celular e/ou da terapia génica. Desde 2014, é possível obter, em laboratório, células funcionantes dos ilhéus pancreáticos (células beta, alfa e delta) a partir de células pluripotenciais (embrionárias ou induzidas; estas últimas contornando as questões éticas subjacentes à utilização das células embrionárias) ou transdiferenciar células não beta, por exemplo, através de células do pâncreas, fígado, ou células gastrointestinais, em células produtoras de insulina. No futuro, espera-se garantir a segurança da terapia celular através de: a) criação de linhas celulares seguras, para a qual a terapia génica têm um papel essencial; b) purificação das células obtidas, por exemplo, através da identificação de marcadores celulares que permitam distinguir as células “desejadas” das “não desejadas” antes da transplantação; e/ou c) encapsulação das células transplantadas. Esta última via poderá contornar simultaneamente a questão imunológica subjacente à diabetes tipo 1, sem necessidade de terapia imunossupressora. Contudo, também, a terapia celular e génica terão um papel marcante na restituição da tolerância imunológica.

Em suma, o futuro promete a cura da diabetes!